''A idolatria do mercado nos levará a um desastre.'' Entrevista com Serge Latouche
Serge Latouche é um dos pensadores mais discutidos do nosso tempo. Muito mais do que um simples economista, como muitas vezes é definido, muito além do puro investigador dos processos sociais em curso, Latouche uniu profecia e história, anunciando ao mundo uma tese última, ou seja, que sem uma inversão de marcha todos vamos morrer suicidas, como se navegássemos sem mais bússolas e flâmulas em um navio à deriva.
A reportagem é de Francesco Comina, publicada no jornal Trentino, 11-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O "decrescimento" é aquele movimento contrário que poderia nos salvar, a negação da religião do desenvolvimento, que, portanto, também pode ser chamada de acrescimento, como se faz com o ateísmo, que nega uma religião.
Eis a entrevista.
Agora, o decrescimento tornou-se uma palavra da moda, talvez até um pouco desgastada em relação ao sentido com que você a pensou. Hoje, você fala mais de acrescimento, como de uma saída da religião da economia e do mercado.
É isso. Sim, se quisermos ser rigorosos, deveríamos falar de acrescimento, como você disse bem. Ou seja, devemos nos tornar como ateus da religião do crescimento, que é um mito dominante dentro das sociedades capitalistas. Devemos sair desse mito que sacralizou o crescimento como se fosse um deus que tudo domina e que tudo arrasta para o abismo. Um deus idolátrico. Quando eu usei o termo "decrescimento", eu pensava em sentido provocativo, justamente para abrir os olhos das pessoas acostumadas a ouvir todos os dias, como um mantra, o refrão do crescimento como única receita para o desenvolvimento da comunidade. Eu quis simplesmente expressar um conceito autoevidente, difícil refutável: no âmbito de um ecossistema finito, o princípio do crescimento infinito é uma contradição em termos.
E daí brotou uma visão de mundo que vai além da economia e que realmente funda um pensamento filosófico. Dentre outra coisas, você se remete ao filão dos pensadores proféticos, como Ivan Illich, Raimon Panikkar, Cornelius Castoriadis...
Eu poderia dizer que, retomando uma reflexão do Mahatma Gandhi, as coisas que eu tematizei e elaborei em tantos anos são tão antigas quanto as colinas, ou seja, que encontramos as intuições sobre tempo e sobre um espaço adequados para o homem nos pais da filosofia antiga e nos grandes espíritos do pensamento intercultural contemporâneo. Pensemos, por exemplo, no discurso de Panikkar sobre a tempiternidade, ou seja, sobre a consciência de que só o tempo presente é o tempo do homem e que a velocidade mata o tempo, porque nos projeta para uma dimensão desumana, razão pela qual devemos parar e desfrutar o tempo sem crescimento e ímpeto. Devemos "desarmar a razão armada", segundo a bela visão do filósofo indiano. Pensemos em Illich e no seu discurso sobre a partilha do espaço e do tempo. Pensemos em Castoriadis e no seu apelo para descolonizar o imaginário, para realizar uma sociedade frugal. O decrescimento, portanto, pode ser considerado. para todos os efeitos, um movimento de pensamento.
A Europa está vivendo uma crise epocal. Não só econômica e financeira, mas também política e, diria mais, antropológica. Ela não consegue mais dar um sentido ao existir do homem. De um lado, cresce a reação a esse sistema econômico e financeiro, mas, de outro, crescem fenômenos de populismo, de demagogia, de etnocentrismo, de fechamento...
Sim, há muitos riscos, por isso pedimos que a política volte a projetar, que as ideias voltem a circular. Essa ideologia do capitalismo é insustentável. Ela produz problemas. Divide. Devemos nos reapropriar da moeda e não deixá-la à mercê dos bancos e dos especuladores. Devemos começar a produzir aquilo de que precisamos, porque não faz sentido fazer com que caminhões de água francesa transitem rumo à Itália e de água italiana para a França. É uma loucura. O Norte do mundo consome 86% dos recursos naturais do planeta. Comecemos a pôr de lado o PIB e apliquemos o Índice da Pegada Ecológica para definir o impacto do nosso modo de vida.
A austeridade impõe receitas radicais aos países, obrigando-os a drásticas reduções de despesas. Depois, há o problema das dívidas soberanas com os mecanismos de ajuste estrutural impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial. O que você pensa sobre isso?
Eu não vejo futuro no euro. Sei que, sobre esse assunto, há muita discussão, mas como a Europa faz para ter uma moeda comum com diversos sistemas fiscais, diversos welfare, diversas leis em matéria ecológica? A austeridade é uma alavanca nas mãos dos sacerdotes da religião do capital e do desenvolvimento. A própria Grécia está destroçada pelos programas de austeridade decididos de cima. Eu tinha aconselhado o Tsipras a sair do euro. Mas o poder da ideologia financeira condiciona os Estados assediados por uma dívida que é um câncer. O discurso sobre a dívida é ambíguo. Ela nunca vai ser paga. Todos os economistas sabem perfeitamente disso: não adianta ajudar a pagar a dívida. É preciso anular a dívida e partir de outra visão de solidariedade entre os povos. Mas o problema é que, como eles querem continuar com essa economia de cassino, é preciso fingir que ainda é crível que ela seja paga. Portanto, é preciso ajudar os países a pagarem não a dívida, mas os juros sobre a dívida. E impõem-se programas de austeridade que destroçam a vida de uma sociedade. Mas isso não pode durar ainda por muito tempo...
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