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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

8.6.17

A exceção e a regra

A exceção e a regra

Neste mesmo espaço, em artigo intitulado "O Parlamento, o Judiciário e os golpes", publicado em três partes entre maio e julho do ano passado, tratou-se de demonstrar que a derrubada ilícita da Presidenta Dilma resultou da conjugação oportunista de dois movimentos distintos – oriundos, de um lado, da direita parlamentar, com o desembarque do PMDB do governo petista e sua aliança com o PSDB golpista; e de outro, da parcela do sistema de justiça encastelada no foro federal de Curitiba, encarregada da chamada "operação Lava Jato".

O jurista alemão Claus Roxin, criador da teoria do domínio do fato

Com efeito, sob a ótica ali adotada – e de resto, também por alguns outros observadores – além de diferentes entre si por sua origem e natureza, a movimentação destes grupos se inspirava (e continua se inspirando) por interesses, mais que diversos verdadeiramente opostos. Procurou-se chamar a atenção em especial para o fato de que o grupo de trabalho de procuradores e policiais federais coordenados pelo juiz Sérgio Moro – e que se dedica integralmente, desde 2014, a investigar os crimes praticados por empreiteiros, políticos e servidores de nossa maior empresa, a PETROBRÁS – orienta-se pela finalidade precípua de, não apenas "acabar com a corrupção", desconstituir o sistema político brasileiro, aprioristicamente considerado por ela responsável.

Este propósito já fora esboçado em trabalho acadêmico publicado, dez anos antes, pelo referido magistrado, tendo por objeto estudo da operação judicial denominada manu pulite, desencadeada na Itália no começo dos anos 90 do século passado, e que resultou na queda da Primeira República, instaurada naquele país após a Segunda Guerra. Na sua peculiar visão, o sucesso daquelas ações, que desbarataram as relações promíscuas entre a máfia siciliana e alguns dos tradicionais partidos italianos, foi decorrência da associação entre longas prisões provisórias de suspeitos, destinadas à obtenção de suas confissões, mediante promessas de benefícios penais; e a contínua "publicização" de seus achados pelas mídias – de modo a assim contribuir para a "…deslegitimação do sistema político…", e para a formação da "…imagem positiva dos juízes…" (sic, "Revista CEJ", n. 26, Brasília, páginas 56-62).

Como se vê, estava aí traçado o roteiro que o juiz paranaense vem seguindo, metodicamente: duradouras prisões preventivas de indiciados, aliás cuidadosamente selecionados, sempre ligados ao PT ou aos seus aliados; diuturno noticiário dos veículos dos grandes grupos de comunicação, a começar pelos da inefável Rede Globo, noticiário este abastecido permanentemente pelos "vazamentos" de informações – também invariavelmente seletivos.

Com isso, os inquisidores curitibanos têm obtido as famosas "delações premiadas", que realimentam continuamente o circuito. Este método de atuação, escorado nos altos índices de aprovação garantidos pela audiência da mídia oligopólica, produz seus resultados, apresentando à chamada opinião pública o espetáculo diário da relação promíscua entre os poderes econômicos e políticos do país. Por isso mesmo, e também por lamentável corporativismo, as ações da "força tarefa da operação Lava Jato" têm sido legitimadas pelos tribunais superiores – muito embora não poucas vezes tenham desbordado, até frontalmente, os limites da legalidade e da constitucionalidade.

Volta-se agora ao tema porquanto a crise aguda, desencadeada com as revelações dos dirigentes da JBS – acompanhadas de indícios, e mesmo de provas materiais de atos de corrupção praticados por integrantes do atual governo, a começar pelo próprio usurpador da cadeira presidencial – pode ser explicada como a expressão mais candente do conflito, aqui mesmo anunciado anteriormente, entre os atores políticos "tradicionais" (governo e parlamento), e a nova "direita judicial", apoiada pelo oligopólio midiático. Têm-se assim bem delineados os contendores e os interesses em litígio aberto, nos dias que correm – situação gravíssima a que o país está submetido, e que é fruto, de uma parte, do descontrole sobre a ação dos "jovens turcos" do judiciário e do ministério público federais, sustentados por uma mídia onipotente e irresponsável; e de outra, do apodrecimento do sistema político brasileiro, decorrente, sobretudo, da forma de financiamento dos partidos e do conúbio entre grandes empresas, parlamentares e governantes.

Para melhor compreender estes fenômenos – e eventualmente contribuir para descortinar saídas aos impasses a que foi levada nossa jovem e frágil democracia – é interessante concebe-los como expressão da "exceção", regime sob o qual o vive o Brasil, de fato e de direito, desde o desencadeamento do processo ilegítimo de deposição de Dilma Rousseff. Malgrado o golpe contra ela desfechado configure, em si próprio, a instauração definitiva e inequívoca do estado de exceção, cabe lembrar que ele teve origem e desenvolvimento a partir dos procedimentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, cujo objeto era o assim chamado "mensalão petista".

Efetivamente, sob o pretexto de processar e julgar práticas criminosas que teriam sido praticados durante o primeiro governo de Lula, os ministros da Suprema Corte adotaram conduta processual inovadora, francamente contrária aos dispositivos constitucionais e legais que regem o processo penal brasileiro – a começar pelo acolhimento de denúncia "fatiada", que dividiu as acusações de forma artificial, de modo a permitir a participação no julgamento de integrante do colegiado antes que completasse a idade limite para a aposentadoria.

Isso sem falar em terem julgado pessoas que não detinham condição que justificasse a prerrogativa de foro (o tal "foro privilegiado"), sob a alegação de que os fatos a elas imputados ligavam-se àqueles imputados aos réus detentores daquela qualidade – argumento que, à mesma época, não aceitaram na ação instaurada por comportamentos em tudo similares, em caso que a imprensa cinicamente denominou de "mensalão mineiro", e não "tucano", como deveria.

O cúmulo da ilegalidade a que chegou então o Supremo, foi a condenação de José Dirceu, à base de mal disfarçada responsabilidade objetiva – banida, como se sabe, há mais de duzentos anos da legislação penal dos países dito civilizados. O escandaloso raciocínio (se assim se pode dizer) montado para a condenação foi o de que, malgrado inexistente prova documental, testemunhal ou mesmo indiciária da participação daquele réu nos fatos a ele imputados, como ele era, à época de sua prática, Chefe da Casa Civil, não poderia deixar de saber o que estava ocorrendo próximo a ele…

E para suportar esta pérola teratológica (típica do senso comum, mas estranha ao direito), invocaram os julgadores, sem qualquer pudor, a "teoria do domínio do fato", construção do jurista alemão Claus Roxin – o qual, indignado, chegou a vir ao Brasil para denunciar, inutilmente, é claro, a grosseira distorção por ela sofrida de parte dos integrantes de nosso principal órgão judiciário.

Instalada assim a exceção, de parte daqueles que deveriam se portar como últimos guardiões da Constituição e das leis, não admira que, passados alguns anos, o país tenha acompanhado, entre atônito e indiferente, o Parlamento nacional desencadear processo de "impeachment", sem que a Presidenta da República tenha praticado qualquer ato capaz de configurar, sequer em tese, de "crime de responsabilidade" – única hipótese em que a Lei Maior admite o excepcionalíssimo afastamento de mandatário ungido pelo voto popular. Para tanto, bastou aos parlamentares montar maioria conjuntural, invocando o espantoso pretexto das "pedaladas fiscais" – com a certeza de que os ministros do STF, dado o precedente cometido, convalidariam a vergonhosa manobra.

A deposição ilegítima de Dilma marca, portanto, a instauração definitiva do estado excepcional, sob a aparência da normalidade institucional, característica do que Boaventura de Souza Santos chama de "democracia de baixa intensidade". E, como dito acima, para produção e desenvolvimento exitoso do golpe, que atirou o país à aventura perigosa conduzida por um governo de meliantes, foi decisiva a contribuição de parcela do sistema de justiça, apoiada pelos grandes grupos de comunicação – cujas ações se pautam, também, pela excepcionalidade hoje vigente no Brasil, em todos os domínios.

É o que se pretende mostrar a seguir, na segunda parte deste artigo.

.oOo.

Carlos Frederico Barcellos Guazzelli – Defensor Público aposentado, Coordenador da Comissão Estadual da Verdade/RS (2012-2014).


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz