Coautor de um recém-lançado livro em que sistematiza a teoria do novo desenvolvimentismo, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira sustenta que a crise atual decorre de uma política econômica equivocada, baseada na conjugação de altas taxas de juros com o câmbio valorizado. Isso beneficia os investidores estrangeiros, os financistas e a classe média, mas deprime a taxa de lucro e os investimentos, e condena o Brasil ao baixo crescimento.
Para superar a estagnação, Bresser propõe a adoção de medidas para que o País desvalorize o câmbio e volte a exportar manufaturados. Isso aumentaria a taxa de lucro das empresas, estimularia os investimentos e, a médio prazo, promoveria o desenvolvimento nacional.
Para Bresser, o impeachment foi articulado por essa coalizão rentista, que se rebelou contra as iniciativas adotadas pelo governo Dilma Rousseff de tentar reduzir os juros e desvalorizar a taxa de câmbio. Essa política gerou uma reação emocional que ele nunca tinha visto antes: em 1964, a classe média apoiou os militares por medo do comunismo; agora, aderiu ao golpe por ódio à redução das desigualdades sociais. Mas o PT, diz ele, também contribuiu para a crise: os erros na condução da política econômica e a falta de habilidade política da administração petista fragilizaram o governo num momento em que o PSDB passou a pedir o impeachment.
A partir daí, o PMDB de Eduardo Cunha e Michel Temer vislumbrou a possibilidade de assumir o poder. O partido adotou um discurso neoliberal para obter o apoio da elite, mas, segundo Bresser, não vai cumprir o que prometeu, por não ter apoio suficiente no Congresso e por não estar convicto das maravilhas do neoliberalismo. A economia deve se recuperar, mas muito lentamente, porque o governo insiste em manter a mesma política econômica. Após o golpe, a coalizão que derrubou o PT deve se desfazer, mas ainda é cedo para fazer previsões para 2018.
A crise atual, de acordo com o ex-ministro, tem suas raízes na alta preferência da população pelo consumo imediato e na perda da ideia de nação, que se acelerou na década de 1990. Esses traços legitimam uma taxa de câmbio apreciada, pois todos, da direita à esquerda, querem o dólar barato e desprezam a importância do Estado na promoção dos investimentos.
"Macroeconomia Desenvolvimentista" expõe as medidas para que o País volte a crescer. O problema reside em saber quem poderia levar a cabo um programa que contraria os interesses da coalizão rentista que tomou de assalto o poder. Bresser deposita suas esperanças em Ciro Gomes, do PDT: "Eu vejo uma esperança em Ciro Gomes. Ele amadureceu muito".
Brasileiros – O senhor está lançando um livro?
Luiz Carlos Bresser-Pereira – Sim, se chama Macroeconomia Desenvolvimentista. Foi escrito por mim, Nelson Marconi e José Luis Oreiro (UFRJ). É uma tese que venho desenvolvendo desde 2001. A partir de então, venho tratando sistematicamente, de um ponto de vista macroeconômico, a taxa de câmbio e a taxa de juros a partir da percepção de que, no Brasil, a taxa de juros era muito alta e a taxa de câmbio, muito frequentemente apreciada, e não havia nenhuma teoria sobre isso. Confesso que não achei uma boa teoria econômica para explicar por que a taxa de juros é tão escandalosamente alta no Brasil. A única explicação que faz sentido é que essa taxa é alta devido ao poder político que os capitalistas rentistas, incluindo uma ampla classe média que se beneficia desses juros altos, têm no Brasil.
Agora, em relação à taxa de câmbio, há um vazio na teoria econômica. O câmbio é um preço. A verdade é que existem cinco preços macroeconômicos: a taxa de lucro, que motiva os empresários a investir; a taxa de juros, que é o preço do capital; a taxa de câmbio, que é preço da moeda estrangeira; a taxa de salários, que é o preço da força de trabalho; e a taxa de inflação, que é a variação do preço de todas as coisas. Você só tem equilíbrio macroeconômico e condições para crescer com estabilidade e com distribuição de renda se esses cinco preços estiverem no seu lugar. O mercado não tem condição de manter certos esses preços. E é por isso que vivemos de crise em crise, porque esses preços não ficam no lugar. E o preço que mais sai fora do lugar em países em desenvolvimento é a taxa de câmbio.
Nesses países, há uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. Entre 2007 e 2014, a taxa de câmbio no Brasil permaneceu em torno de R$ 2,50 por dólar a preços de hoje, enquanto a taxa de câmbio que torna as boas empresas nacionais competitivas é de R$ 3,90. Essa diferença de R$ 2,50 para R$ 3,90 é uma apreciação brutal. Uma desvantagem enorme. Qual é o papel do Estado no plano econômico? Ele precisa garantir as condições gerais para o investimento privado, que deve ser 80% do investimento total. Então, preciso estimular o investimento privado. Para isso preciso não apenas ter uma taxa de lucro satisfatória e uma taxa de juros baixa, mas também que a taxa de câmbio esteja no lugar. Porque se houver uma taxa de câmbio apreciada, a taxa de lucro dos empresários fica deprimida. Mas às vezes usa-se a taxa de câmbio apreciada para tentar controlar a inflação.
Como se está fazendo agora.
Como se está fazendo agora. Por que a taxa de câmbio tem essa tendência à sobreapreciação cíclica e crônica? São dois tipos de causa. Uma é estrutural, todos os países da América Latina têm: é a doença holandesa. Ela decorre do fato de que as nossas commodities agrícolas e minerais têm uma produtividade que permite que sejam exportadas a uma taxa de câmbio substancialmente mais apreciada do que a taxa de câmbio necessária para que as empresas industriais competentes se tornem competitivas. Isso é a doença holandesa. Vamos supor que no Brasil a taxa de câmbio de equilíbrio industrial seja de R$ 3,90. A doença holandesa traz a taxa de câmbio para R$ 3 porque são as commodities que definem essa taxa. Mas o que leva essa taxa de R$ 3 para R$ 2,50? A responsabilidade é de três políticas que os países em desenvolvimento adotam, com o apoio dos economistas heterodoxos populistas e dos economistas ortodoxos populistas, chefiados pelo FMI e pelo Banco Mundial. Eles propõem que o Brasil tenha um déficit em conta corrente porque propõem que o País cresça com "poupança externa". Você financia isso com investimento externo direto ou com empréstimos. No Brasil, 80% do financiamento do déficit em conta corrente é feito por investimento externo direto. Para os economistas de todas as correntes isso é o paraíso. Um equívoco completo. Eles acreditam que a poupança externa se somaria à poupança interna e você estaria investindo mais. Mas quando você aprecia o câmbio, desestimula o investimento. Em vez de somar-se a poupança interna, a poupança externa substitui a interna. Esses déficits, em vez de financiarem o investimento, financiam o consumo. O dinheiro que vem inclusive sob a forma de investimento externo direto financia o consumo no Brasil, na sua maior parte.
Veja o que aconteceu em 2014. Tivemos 4,6% de déficit em conta corrente, uma loucura. Investiu-se um pouco mais? Nada disso. O investimento estava lá embaixo. Foi tudo para o consumo. A primeira razão para que haja essa tendência à apreciação da taxa de câmbio é a política de crescimento com poupança externa. A segunda é o uso da taxa de câmbio para controlar a inflação, a chamada âncora cambial. É uma violência adotada por essa ortodoxia populista. Ao defenderem o crescimento com poupança externa e ao defenderem o uso da taxa de câmbio para controlar a inflação, eles estão sendo populistas cambiais. Dilma foi fortemente criticada por ter usado os preços da Petrobras para controlar a inflação. Isso foi visto como um escândalo. Também acho. Mas entre controlar a inflação segurando os preços da Petrobras e controlar a inflação segurando o câmbio, o segundo crime é muito mais grave que o primeiro. A terceira política habitual que aprecia o câmbio são as altas taxas de juros, porque elas atraem capitais. Eles dizem que esses juros ajudam a controlar a inflação, mas não entendo por que precisamos ter uma taxa de juros real de 6% enquanto outros países têm taxa de 1%. A grande maioria dos países ricos tem taxas de quase 1% real negativo para empréstimos de dez anos. Por que acontece isso? Uma taxa de juros alta interessa aos rentistas, que são muitos. Não só os muito ricos. Isso também interessa à classe média.
A classe média que aplica em fundos de investimento, em fundos de pensão?
Isso. E interessa também aos financistas, que ganham comissões administrando os recursos dos rentistas. E a quem interessa o câmbio apreciado? Exatamente às mesmas pessoas. Os rentistas querem uma taxa de juros real, e a inflação reduz o juro real. Para eles é bom que se use o câmbio para controlar a inflação. Agora, isso interessa profundamente também aos países mais ricos e poderosos que tentam nos controlar, que tentam ocupar nosso mercado interno. Uma taxa de câmbio apreciada permite a eles exportar mais para nós do que nós para eles. Quando digo que o Brasil deve ter uma taxa de câmbio que torne competitivas as nossas boas empresas, estou dizendo que o Brasil deveria ter como meta um pequeno superávit em conta corrente. Precisamos de uma taxa de câmbio de R$ 3,90. Não temos uma meta de inflação? Devemos ter também uma meta de câmbio. E essa meta deve ser de um pequeno superávit em conta corrente, coisa de 1% do PIB. Nesse caso, a nossa taxa de câmbio girará em torno da taxa que torna o nosso setor industrial competitivo.
Para isso, é preciso neutralizar a doença holandesa. Como? Por meio de uma retenção sobre o preço das exportações das commodities. Se a taxa de câmbio estiver em R$ 3 e eu preciso de R$ 3,90, coloco um imposto de R$ 0,90 sobre cada dólar exportado, por exemplo, de soja ou minério. Através do deslocamento da curva de oferta, a taxa de câmbio vai para R$ 3,90. O produtor de soja ou de minério não perde nada: ele iria receber R$ 3 com a taxa de câmbio mais baixa, pagou R$ 0,90 de retenção e recebeu de volta R$ 3,90 com a taxa de câmbio mais alta. O que ele iria receber antes recebe depois. 100%. Isso neutraliza a doença holandesa. O Brasil adotou esse caminho por 60 anos, de 1930 a 1990, com grande êxito. Mas ainda tem aquelas três políticas habituais que reduzem a taxa de câmbio de R$ 3 para apenas R$ 2,50. Tenho que rejeitar aquelas três políticas: não ter um déficit em conta corrente financiado por investimentos diretos, não usar a taxa de câmbio para controlar a inflação e pôr uma taxa de juros decente na economia.
Durante o governo Dilma, até 2012, houve uma tentativa de desvalorizar o câmbio e baixar os juros, e isso despertou uma oposição feroz da classe média, que aplica em fundos de investimento, em fundos de pensão, que quer o dólar barato para viajar para Miami.
Como se explica isso? No governo Lula-Meirelles a taxa de câmbio caiu de R$ 6 para R$ 2,20. Dilma recebeu de Lula uma missão impossível. Ela teria de desvalorizar o real em 50% para tornar a indústria competitiva. Ela não tinha poder para isso, não tinha apoio nem entre os empresários nem entre os trabalhadores. O que ela fez? A partir de 2011, baixou os juros e, em consequência, a taxa de câmbio depreciou. Mas depreciou 20%, e não 50%. Estava longe do necessário. Mas, quando você deprecia a moeda, precisa fazer ajuste fiscal. O capitalismo tem suas regras: depreciação precisa ser feita com ajuste fiscal. Como Dilma não fez isso, a inflação subiu um pouquinho, e o crescimento baixou para 1%. Então você tem um juro baixo deixando a classe média e os rentistas indignados. A inflação sobe um pouquinho sem haver nenhum crescimento. Surgiu espaço para uma oposição violenta. Ou seja, naquele momento começou a se romper o pacto político que Lula e Dilma tentaram fazer com os industriais.
Fazer um pacto desenvolvimentista como Getúlio fez, como Juscelino fez, como os militares conseguiram a partir de 1967. Esse pacto começou a se romper em 2012 porque, ao mesmo tempo que o crescimento era pequeno e a inflação subia, o lucro dos empresários caiu violentamente. Por quê? Temos de voltar ao final do governo FHC. Na época, a taxa de câmbio se desvalorizou até chegar a R$ 6. Os empresários voltaram a exportar. Depois o câmbio começou a apreciar, até chegar a R$ 2,20. Os industriais perderam o mercado exterior, mas, como tinha um boom de commodities e como Lula aumentou o salário mínimo, aumentou o crédito e criou o Bolsa Família, com tudo isso o mercado interno aumentou. Mas aquele mercado interno do Lula vazou para as importações. Quando chegou em 2011, o Brasil foi inundado por bens importados. E a taxa de lucro caiu, chegou em 2014 em apenas 4%. Devido à apreciação cambial, o lucro das empresas foi desaparecendo, mas elas continuaram se endividando. Em 2015, elas, que já tinham parado de investir em 2012, começaram a pagar dívidas, começaram um processo de desalavancagem, que é um sinal da crise: você não só não investe, mas também não compra. O maior erro da Dilma foi quando ela resolveu fazer as desonerações em 2013. Elas criaram uma crise fiscal e não estimularam o investimento.
Mas todo esse setor industrial tão afetado pelo endividamento, paradoxalmente, parece ter aderido em bloco ao discurso da coalizão que defendia o aumento dos juros.
Essa é uma discussão antiga sobre a burguesia nacional. Desde os anos 1960, defino a burguesia como uma burguesia nacional-dependente. A burguesia dos Estados Unidos ou da França, no século XIX, ou a burguesia dos países asiáticos, no século XX, usaram o Estado para defender seus interesses, para proteger seu parque industrial. A nossa é nacional-dependente. Isso é um oximoro, uma contradição interna. A dependência ideológica dos brasileiros é maior que a dos asiáticos. Quando você vai se desenvolver 200 anos depois da Inglaterra ou 100 anos depois da Alemanha, vê que os países desenvolvidos se tornaram democráticos, liberais, e escondem o seu nacionalismo de forma astuciosa. Continuam nacionalistas, mas não demonstram isso. E transformam o nacionalismo em palavra feia. Isso facilita nossa dependência ideológica. É fácil você se render. Em certos momentos os empresários brasileiros são nacionalistas. Entre os anos 1930 e 1980, com um pequeno intervalo nos anos 1960, eles foram nacionalistas. Com Lula, eles estavam ficando nacionalistas. Mas em 2012 a coisa degringolou e eles abandonaram o barco.
O senhor vê grandes diferenças entre o golpe de 1964 e o golpe deste ano?
As diferenças são grandes por que o golpe atual é um golpe dentro da democracia, por assim dizer. Você faz uma violência ao princípio democrático e impede um governante sem razões constitucionais e legais para isso. Mas mantém a democracia, não suspende os direitos. O regime sofreu um arranhão grave, mas continua democrático. Porque as duas características fundamentais da democracia ainda continuam. O conceito mínimo de democracia exige duas coisas: os direitos civis e o sufrágio universal. Essas duas coisas estão presentes. Mas foi um golpe, não para encerrar o princípio democrático, mas para derrubar um governo.
Mas os setores sociais que articularam os dois golpes são diferentes?
Não, são os mesmos setores. A grande diferença que vejo é que naquele momento havia um medo real do comunismo por parte da classe alta e da classe média. É evidente, para quem pensasse minimamente, que o João Goulart não era comunista. Mas havia Cuba, a revolução havia ocorrido recentemente, em 1959, e havia uma esquerda no mundo e na América Latina que estava apostando na revolução. Então a direita ficou com medo no mundo inteiro. Agora não existe o medo, mas apareceu uma coisa que não havia naquela época, que é o ódio.
Qual é o fundamento desse ódio?
Para mim, o fundamento desse ódio é um elitismo muito violento dos brasileiros, que vem ainda da escravidão, e especialmente da classe média. A classe média viu que tinha sido esquecida no governo Lula. Os muito ricos estavam ganhando muito dinheiro, e o governo tinha uma clara preferência pelos pobres. Eles viram que tinham ficado excluídos e viam a ascensão social desses pobres, que andavam de avião com eles, entravam nos shopping centers com eles, entravam nas universidades. Todos aqueles elementos que distinguiam essas pessoas dos escravos e seus descendentes. As elites brasileiras só admitem a ascensão isoladamente, muito individualmente. Mas uma coletiva é inaceitável. Há ainda outro fator. De repente apareceu o mensalão, um escândalo político grave exatamente no partido que estava promovendo essa política que as incomodava tanto. Então, o ódio teve um destino: virou um ódio ao PT e ao Lula, e a Dilma depois. Nunca tinha visto isso na minha vida. É muito grave. Porque a política só é viável numa democracia, porque a política é a arte de negociar e persuadir para governar. Fora da política, só resta a violência. Nas sociedades pré-capitalistas os problemas eram resolvidos assim: fora do palácio, eram resolvidos pela guerra; dentro do palácio eram resolvidos pelo assassinato. É só ver as tragédias. O ódio é próprio desse tipo de regime. Não da democracia. Na democracia há adversários, não inimigos. Quando você transforma o adversário em inimigo, as coisas ficam muito ruins. Lá se foi a tolerância.
O senhor foi um dos fundadores do PSDB. O partido, no início, não tinha esse radicalismo dos cabeças negras.
Todos nós éramos do PMDB até que foi criado o PT, em 1980. Eu não fui para o PT porque não queria fazer parte de um partido revolucionário. Não acreditava em revolução, sempre fui um social-democrata. Então, fiquei no PMDB. Mas o PMDB aqui em São Paulo se corrompeu, e a principal razão foi o Orestes Quércia. Então nós saímos e fomos para o PSDB. Aí surgiu a discussão sobre o que o partido devia ser, se ele devia ser um partido social-democrata. Franco Montoro era contra, mas ele foi derrotado. Só que o PT se transformou num partido socialista e nos empurrou para a direita. Aconteceu já na campanha do Fernando Henrique em 1994 quando, contra a minha vontade, fez o acordo com o PFL. Ele não precisava ter feito aquele acordo. No governo o PSDB se revelou um partido liberal-conservador. A questão do interesse nacional, isso o PSDB não tem a menor ideia do que seja.
E o governo Temer? Quando assumiu, houve promessas de cortes de gastos e privatizações. Depois aumentaram a meta do déficit para R$ 170 bilhões. Várias coisas anunciadas não foram implementadas, e foram concedidos reajustes salariais ao funcionalismo. O governo assumiu com uma retórica neoliberal, mas na prática não tem cumprido o que prometeu.
Pense assim: Dilma foi eleita em 2014 com o apoio dos pobres, mas sem nenhum apoio na sociedade civil: os ricos e bem educados votaram em massa no Aécio e na Marina, e depois no Aécio, que perdeu. Ele é a representação das nossas elites liberais-dependentes. E autoritárias. Foi Aécio quem propôs o impeachment de cara. E aí surgiu um segundo grupo, que demorou a se formar, que foi o grupo dos oportunistas, que agora tem o nome de centrão. É liderado pelo Eduardo Cunha, que se associou ao Temer, e perceberam que essa era a oportunidade deles. Mas para isso era preciso que tivessem um discurso tão liberal e dependente quanto aquele discurso que as elites e seus ideólogos estavam fazendo. Foi a forma de obterem o apoio daquelas elites. Agora, o governo Temer vai fazer aquelas políticas que ele prometeu? Não vai. Não vai porque não tem apoio suficiente, ele já disse que não governa sozinho, que o Parlamento faz parte do governo. Mas também não vai fazer porque não está convicto das maravilhas de uma política estritamente liberal. Temer é um constitucionalista, um homem do meio termo, equilibrado. Não é um típico liberal.
A coalizão que se formou contra o PT já começou a se fragmentar?
Não, só depois do impeachment é que isso vai se desmontar. Ela vai desmontar porque temos logo em seguida as eleições municipais. Aí o quadro político vai ficar mais claro. Para mim, Temer quer ficar na história como o presidente que superou uma crise brasileira. Ele não quer ficar como um golpista. Agora, ele só vai contar com o apoio do centrão, que é essa coisa meio informe. O centrão só vai assumir uma posição nas eleições presidenciais muito perto delas. Temer precisa administrar o centrão. A economia está começando a ter uma recuperação, mas é lenta.
Por quê?
Três problemas estão atrasando fortemente a nossa recuperação. Primeiro, a taxa de câmbio voltou a se apreciar, como prevê a minha teoria. Segundo, o forte endividamento das empresas. Isso exigiria que o Estado ampliasse fortemente o crédito para eles, para superar esse problema. Mas o Estado está imobilizado, eles não fazem nada. O Nelson Barbosa estava tentando encontrar soluções para o endividamento das empresas. Estava absolutamente certo. E o terceiro problema são os juros escandalosamente altos, que o Banco Central ainda não se dignou a baixar. Então esses três problemas estão sendo mal resolvidos. Mas vai haver uma modesta recuperação. Tenho uma tese cultural sobre a crise brasileira: uma alta preferência pelo consumo imediato da sociedade como um todo, do povo às elites, e a perda da ideia de nação, que começou a ocorrer nos anos 1980 e se acelerou na década seguinte. Essas duas coisas se somam. Vamos pensar a partir de 1994. Dada a alta preferência pelo consumo imediato, você quer câmbio apreciado, porque aumenta o consumo no curto prazo. No plano fiscal, o grande problema do investimento é estimular os empresários a investir. E precisamos que o Estado invista pelo menos 20% do total de investimentos. O Estado tem investido menos da metade disso. Por quê? Porque nem a direita nem a esquerda querem que o Estado invista. A direita não quer porque acha que o setor privado resolverá tudo. A infraestrutura foi abandonada no governo Fernando Collor e continuou abandonada no governo Fernando Henrique Cardoso.
E a esquerda?
A esquerda quer aumentar a receita tributária, sim, mas quer gastar tudo no social. Não quer gastar em outra coisa que não no social, porque quer distribuir renda. A diferença no orçamento público é que a direita não quer gastar dinheiro: quer cortar o orçamento público e continuar não investindo nada. E quer diminuir imposto. A esquerda não: quer manter e até elevar os impostos. Mas o que vier ela quer gastar no social. Não vai para investimento. E aí vem a perda da ideia de nação. A quem interessa o câmbio apreciado? Aos interesses estrangeiros, fundamentalmente. Eles ficam felicíssimos com a nossa preferência pelo consumo imediato. Isso atende plenamente à vontade deles de ocupar o nosso mercado. Essa preferência pelo consumo imediato significa populismo fiscal e populismo cambial: o Estado gastar mais do que arrecada irresponsavelmente e a nação gastar mais do que arrecada irresponsavelmente. E a perda da ideia de nação é fundamentalmente o populismo cambial. O populismo venceu amplamente no Brasil, tanto pela esquerda como pela direita. A diferença é que a esquerda gosta dos dois populismos, fiscal e cambial, e a direita não gosta do populismo fiscal.
O senhor vê uma esperança?
Se elegermos um líder competente, pode ser que ele consiga isso. Porque a sociedade está desesperada por alguma coisa. Está claro que o País está sem rumo. Vejo uma esperança em Ciro Gomes. Ele fez uma conferência duas semanas atrás e fiquei impressionado. Ele amadureceu muito. Sabe tudo sobre o Brasil, conhece muito economia, tem posições equilibradas. Pode ser um líder desse tipo. Vamos ver se ele consegue apoio para isso. Já na esquerda o candidato vai ser Lula. Só que Lula está sem discurso, seu discurso se esvaziou.
Cada governante cumpriu um papel histórico: FHC, inflação; e Lula, distribuição de renda?
Não, a inflação foi controlada pelo mais importante presidente que o País teve após a redemocratização: Itamar Franco, um homem modesto, não era uma sumidade jurídica nem econômica. Mas foi um político muito competente, sério, e tinha uma qualidade invejável: era um republicano. Ele estava atrás do que acreditava. Isso é importante porque o político precisa fazer concessões, mas precisa ter uma noção clara do que quer. Ele não entendia nada de economia, mas trocou quatro ministros até acertar.
Dilma é criticada por ter características semelhantes.
Não, mas o Itamar era um bom político. Ele sabia fazer compromissos. Ele tinha espírito republicano, mas era capaz de negociar. É uma arte muito difícil. Dilma infelizmente não estava à altura do cargo em que foi colocada. É uma mulher republicana, mas não é tão hábil como Itamar. E não é tão humilde, porque Itamar sabia que não sabia economia. E, se você não sabe, precisa confiar em quem sabe. Dilma não, ela ditava a política econômica.
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