TEMPOS DE CÓLERA
Gregório Duvivier: 'Acho que estamos sitiados'
Bemvindo Sequeira, Gregório Duvivier e Laerte Coutinho: debate sobre humor em dia de ataque à democracia
São Paulo – "Aqui é um dos poucos lugares em que estou me sentindo em casa no Brasil hoje. Acho que estamos sitiados", afirma o humorista e escritor Gregório Duvivier. "A crença do humorista é a dúvida. Encarar a dúvida como riqueza. E o problema do Brasil hoje é a falta de dúvida. A imprensa alimenta as certezas e as matérias sabem o que vai acontecer com base nos depoimentos sigilosos."
"No decorrer da história, ainda não percebemos que a conciliação de classes não é salvação para p... nenhuma. Não sobra nada se a gente passa o tempo conciliando classe. A burguesia por si só não para as contradições sociais. Se o Lula for para a cadeia, que a gente aprenda que não há conciliação. Ou você ri ou você chora", disse o ator e humorista Bemvindo Sequeira.
"Na época da ditadura, eu achava que o humor tinha de fazer a cabeça das pessoas. Mas na (editora) Oboré, com o João Guilherme (cientista político e ativista sindical João Guilherme Vargas Netto), havia uma visão de que o humor só se realiza na comunhão ideológica. Neste momento dramático, à espera do que pode acontecer, essa expectativa de comunhão ideológica a pessoa encontra no noticiário, um consenso de reportagens parciais e uma PF cheia de tucanos. Eu fiquei pesando em como combater isso, e só com humor é difícil, temos de ir para a rua também", defendeu a cartunista Laerte.
Os dois humoristas e a cartunista estiveram reunidos na noite de ontem (11) na sede do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, no centro, para o debate "Humor em tempos de cólera", promovido pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé e revista Fórum. O encontro, no mesmo dia em que o Ministério Público de São Paulo solicitou em denúncia a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por conta de suposta ocultação de patrimônio no caso do apartamento tríplex do Guarujá, acabou por se transformar também em um ato contra a arbitrariedade histórica, que quer incendiar as tensões sociais e políticas que dividem o país neste momento.
Para um auditório cheio, Duvivier sustentou que esse clima de ódio é fomentado. "As pessoas adotam termos de colunistas. O ódio é até industrializado, depois de ser muito fomentado. O ódio à esquerda sempre foi hegemônico no Brasil. Globo e Abril se uniram, não elegeram seu presidente, e agora fomentam o ódio. Eu vejo claramente o ódio de uma classe que não elege mais quem deveria. Essa adesão do paulista ao (Geraldo) Alckmin, mesmo depois que a água acabou (disse, ironizando a crise da água na capital), deve ser porque o paulista prefere viver sem água do que sem carro."
O que seria, portanto, um debate "filosófico" sobre o humor, recheado de piadas e sacadas irônicas, acabou ficando ao sabor da temperatura do dia, graças ao fato histórico e ao mesmo tempo trágico para a democracia no país.
Bemvindo disse que o clima de cólera no pais atravessa a história. "O humor tem o sentido da rebeldia, contra a norma, o que está estabelecido. É o riso no velório. Mas aqui no Brasil sempre vivemos tempos de cólera. O homem sente medo, alegria, tristeza e dor. O amor e ódio são culturais. São elaborados depois. O ódio é um demônio que se alimenta de ódio. Os religiosos só têm a palavra amor. E nós, de esquerda, pregamos o amor como base de uma sociedade justa. Ser cristão ou ateu é uma questão de vaidade. A cólera sempre existiu. Os anarquistas italianos foram expulsos do Brasil (no início do século 20). Também o Getúlio Vargas foi vítima da cólera, que foi comandada por Carlos Lacerda. Isso levou Getúlio ao suicídio."
"Esse pedido de prisão de Lula é um erro tático gigantesco. Vai ser uma cagada. É preciso lembrar que nunca houve um período democrático tão grande, já teria acontecido o golpe se a sociedade não estivesse mobilizada", comentou Duvivier.
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