Um judiciário caro, uma justiça falha
Dois pesquisadores, Luciano Da Ros, da UFRGS e Matthew Taylor, da Universidade de Washington estão elaborando um estudo "Abrindo a caixa-preta: três décadas de reformas do sistema judicial no Brasil". Embora a conclusão do trabalho só deva ocorrer em 2016, Da Ros publicou uma prévia sob o título "O custo da Justiça do Brasil, uma análise exploratória". Os dados apresentados são impactantes.
Na Europa o gasto em relação ao PIB oscila entre 0,12% (Espanha) e 0,32% (Alemanha), com uma média pouco acima dos 0,20%. Nos Estados Unidos é de 0,14%, nos principais países da América do Sul varia entre 0,13% (Argentina) e 0,34% (Venezuela), com a média também na faixa dos 0,20%. No Brasil a fatia do poder judiciário atingiu em 2014 o montante de 68,9 bilhões de reais, correspondendo a 1,2% do PIB. E já foi maior, motivo de estar em curso uma ofensiva por mais recursos. Se for aprovado um projeto de lei que tramita no Congresso que reajusta os holerites da "turma do judiciário" em até 78%, teremos um acréscimo de 5 bilhões de reais na despesa de 2016. Há também um outro projeto que eleva o teto do STF dos atuais 33,7 para 39,3 mil reais. Aprovado este reajuste, teremos um efeito dominó que aumentará a remuneração de milhares de magistrados e membros do Ministério Público, onerando pesadamente os cofres públicos. E o que seria teto do judiciário é, na verdade, uma remuneração-piso acrescida de um vasto "elenco" de "penduricalhos" (auxílios, indenizações, gratificações, etc) não definidos como salário e que aumentam substancialmente a remuneração total. Sérgio Moro o juiz da Lava Jato, por exemplo, recebeu em setembro passado 82,3 mil reais, José Ricardo Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros 41,2 mil reais. No Rio Grande do Sul os juízes recebem "auxílio-táxi", em Goiás há o "auxílio-livro", no Rio o "auxílio-educação", sem falar no ilegal e imoral "auxílio-moradia". Há também outra vantagem absurda: no STF dezessete juízes que auxiliam os ministros recebem um adicional de 5,4 mil mensais.
Goran Lambertz, um dos juízes da Corte Suprema sueca, ao tomar conhecimento desses fatos, escandalizado, afirmou em recente entrevista: "É absolutamente inacreditável que os juízes brasileiros tenham o descaramento e a audácia a ponto de criar benefícios como auxílio-moradia e auxílio-escola para seus filhos. Nunca ouvi falar de nenhum outro país onde juízes tenham utilizado sua posição para beneficiar a si próprios".
Em São Paulo o Tribunal de Justiça paga "por fora" juízes que auxiliam na elaboração dos votos dos desembargadores o que permite não recolher imposto à Receita e a contribuição à Previdência, além de mascarar o estouro do teto.
O órgão supostamente fiscalizador, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é corporativista e inoperante. Dentre os 16 mil magistrados brasileiros o CNJ em dez anos puniu apenas 72. Sete por ano, o que significa um percentual de 0,04%, ou seja, algo muito próximo do zero, nada.
Ao cometer qualquer delito, por mais grave que seja, o magistrado tem como pena mais dura a aposentadoria compulsória. Pendura a toga, vai para casa, mas vai continuar recebendo seus vencimentos até o fim de sua vida.
Da Ros conclui afirmando que é um verdadeiro absurdo criar um expediente que permite aos juízes federais, além da boa vida de 60 dias de férias, a possibilidade de "esticá-las por mais 15 dias." Isto ocorre num país que tem mais de 99 milhões de processos "encalhados".
Se o poder judiciário é caro e ineficiente, a nossa justiça é branca e rica. É o que afirma a jornalista Djamila Ribeiro em matéria recentemente veiculada na revista CartaCapital. Temos no Brasil um sistema penitenciário cuja população é na sua maioria constituída por negros pobres. Os brancos e ricos são exceção, minoria. Isso ocorre porque, mesmo quando cometem delitos graves, os aquinhoados conseguem a liberdade. Raramente são condenados. Ela ilustra comentando o recente caso de Juliana Cristina da Silva, uma jovem, que, embriagada, atropelou e matou dois operários que pintavam uma ciclo-faixa e fugiu do local. Ela, pasmem, responderá ao processo em liberdade depois de pagar uma fiança de 20 salários mínimos (cerca de 15 mil reais), devendo comparecer ao fórum a cada dois meses. O lamentável acidente deixou seis órfãos, todos menores de idade. Djamila encerra sua matéria afirmando que após tirar a vida de dois trabalhadores dirigindo alcoolizada, Juliana uma moça branca "bem nascida" vai passar o natal com a sua família porque, numa lógica desigual e racista, ela é só uma "moça de bem" que cometeu um erro.
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Paulo Muzell é economista.
http://www.sul21.com.br/jornal/um-judiciario-caro-uma-justica-falha/
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