Qual Mandela
Alberto Kopittke
A morte de Nelson Mandela gerou uma merecida comoção em massa. Afinal, como não se sensibilizar com aquele senhor de idade que dançava gentilmente no meio da multidão, conhecido como um símbolo de diálogo?
A imensa maioria das reportagens mostram um Mandela pacífico, inofensivo, que parecia liderar o país apenas com o encanto do seu sorriso, quase um leão domado e afetuoso. Mostram as virtudes da sua luta, sem mostrar a luta que ele efetivamente travou ou o rosto dos adversários que enfrentou.
Durante mais de duas décadas ele construiu o seu partido político, até perceber que a luta pacífica não estava produzindo os resultados esperados, perante um governo autoritário, violento e racista. Por esse motivo, ele propôs e criou o grupo armado conhecido como Lança da Nação, que realizou diversos ataques a pontos da infraestrutura do país. Uma de suas frases dizia que na luta pela liberdade quem escolhe as armas é o opressor e não o oprimido.
Mandela conquistou sua legitimidade lutando, enfrentando o governo e as classes dominantes do seu país e só conseguiu estabelecer o processo de diálogo com os africaners porque os enfrentou de forma organizada.
Surpreendentemente, como é comum ocorrer com as grandes personalidades que se tornam mitos, parece existir uma unanimidade nos lamentos pela sua morte.
Mas será mesmo que o pensamento de Mandela é apoiado por todos os que hoje lastimam sua morte?! Quantos os que choram a sua perda também não são os mesmos que criticam qualquer tipo de mobilização social e a luta contra a exclusão e o preconceito?! Quantos dos postaram as frases de Mandela no facebook não cometem violência contra suas próprias companheiras ou são os mesmos que dizem não haver racismo no Brasil?
Para alguns o mais importante parece ser incorporar a imagem de Mandela a um folclore mítico e desideologizado, quase um “bom velinho negro”, do que o grande lutador que ele efetivamente foi.
É muito importante celebrar os grandes homens e mulheres que lutaram no passado, mas isso só tem sentido se estivermos ao lado dos lutadores do presente, reconhecendo o(a)s Mandelas antes que eles morram e lutando contra os aparthaides de nosso cotidiano.
Creio ser essa a melhor forma de honrar a memória de Madiba.
http://www.sul21.com.br/jornal/opiniaopublica/qual-mandela-por-alberto-kopittke/
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