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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

9.12.13

e-Proinfo - Ambiente colaborativo de aprendizagem

LÍNGUA E SENSO COMUM


Por MARCOS - 09/12/2013 às 00:00

Todos sabemos que língua é um objeto de estudo científico. No entanto, ela é também, e de um modo muito mais amplo, um fenômeno sociocultural, uma instituição, uma coisa sobre a qual toda e qualquer pessoa se acha no direito – legítimo – de falar, debater, discutir. Em todos os campos do conhecimento sempre tem existido um embate entre as ideias que recebem o rótulo de científicas e as ideias que pertencem ao que se chama de senso comum.

Dizemos que um enunciado tem caráter científico quando ele é resultado de investigação empírica (isto é, com dados da realidade), feita segundo metodologias controladas, com levantamento de hipóteses, testagem dessas hipóteses, com confirmação ou negação de seus postulados e reelaboração posterior dos princípios hipotetizados. Por isso, o conhecimento assim obtido é sempre provisório, pode ser criticado, refeito, de modo a fazer avançar o estado do saber atual de determinada área de investigação. A história de qualquer ciência é a história de suas reformulações, do abandono de teorias e métodos por outras teorias e métodos, a história de seus avanços sucessivos. Justamente por tentar seguir princípios e métodos bem delineados é que os postulados científicos são, com frequência, contraintuitivos. Como assim?

A intuição é uma poderosa ferramenta cognitiva que nós temos, é a “faculdade de perceber, discernir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de análise” (Houaiss). É uma estratégia de sobrevivência da espécie: intuir é pressentir, antever, com base na experiência vivida ou nas informações dadas por nossos sentidos. No entanto, como bem define o dicionário, é algo que fazemos “independentemente de raciocínio ou de análise”. E é aí que a porca da ciência torce o rabo, porque o método científico só pode receber esse rótulo – científico – quando se vale precisamente do raciocínio e da análise!

Um exemplo famoso pode nos ajudar a entender tudo isso. Com base em sua intuição – na experiência acumulada ao longo de milênios pelos grupos sociais e comprovada individualmente pelos sentidos e pela percepção –, os seres humanos acreditaram durante eras a fio (e muitos ainda hoje acreditam!) que o mundo era plano e que o Sol girava em torno dele. É tão fácil “comprovar” isso: basta ficar num amplo campo aberto, na praia ou num deserto e acompanhar a trajetória do Sol ao longo do dia, de um horizonte ao outro. Ora, quando cientistas como Copérnico e, mais tarde, Galileu – graças ao raciocínio e à análise – começaram a afirmar que a Terra não é plana e que, muito pelo contrário, é ela que gira em torno do Sol, o escândalo foi geral, porque tais afirmações eram totalmente contraintuitivas, se chocavam frontalmente com as percepções das pessoas em geral e contra as crenças mais difundidas da época, crenças inclusive oficializadas pela Igreja (que perseguia, torturava e queimava na fogueira quem se opusesse a elas).

A força das ideias preconcebidas e cristalizadas milenarmente é tão grande que, mesmo depois de aceitos amplamente os postulados científicos, conservamos, na linguagem, aquelas noções errôneas: até hoje, por exemplo, dizemos que o Sol “nasce” no leste e “se põe” no oeste, embora saibamos que é o movimento de rotação da Terra, e não do Sol, que provoca o fenômeno de alternância do dia e da noite. Ideias assim são chamadas de estereótipos, de uma raiz grega – stéreos – que significa “sólido tridimensional”. As ideias estereotipadas são as que se cristalizam, endurecem, ficam sólidas como rochas. E é preciso muita água mole, batendo durante muito e muito tempo, para furar essas pedras duras...

Crenças arraigadas ao longo do tempo, estereótipos, superstições, mitos e preconceitos formam um conjunto de ideias que recebem o nome coletivo de senso comum. O senso comum é essa nebulosa de opiniões que resistem durante muito tempo a todo tipo de reflexão crítica, de questionamento, porque, de tão impregnadas no imaginário coletivo, acabam sendo consideradas como “naturais”, quando de fato são resultado de uma longa construção cultural. Felizmente, com o passar do tempo e o avanço do conhecimento, muitas dessas ideias vão se “desnaturalizando” e até mesmo sendo combatidas, sobretudo quando são prejudiciais ao bom convívio em sociedade, quando implicam opressão, desrespeito, discriminação. Hoje em dia, por exemplo, na maioria das sociedades democráticas, o racismo, o machismo, a intolerância religiosa, a homofobia, a violência sexual etc. são atitudes e comportamentos sociais condenados e até, com muita frequência, considerados como crimes passíveis de punição.

Sendo uma parte tão fundamental do nosso próprio ser individual e social, a linguagem não tinha como escapar das investidas do senso comum. E o senso comum linguístico, de um modo poderosíssimo, resiste bravamente às investidas das críticas e dos questionamentos que as ciências da linguagem fazem dele. Muitas ideias completamente falsas vigoram na maioria das sociedades humanas, sobretudo das sociedades letradas, a respeito da língua e das línguas. Vamos ver algumas delas:

  • Na grande maioria dos países, as pessoas falam uma língua só: na França é o francês, na Itália é o italiano, no Japão é o japonês etc. Situações como as do Canadá, da Bélgica ou da Suíça são exceções.
  • A ortografia é essencialmente baseada nos sons da língua e governada por regras claras e precisas.
  • Se alguém quer realmente aprender uma língua estrangeira, digamos o espanhol, é muito melhor passar uns meses na Argentina ou no México do que frequentar durante anos uma escola de línguas.
  • Algumas línguas são naturalmente mais difíceis de aprender do que outras.
  • Algumas línguas são naturalmente mais primitivas, toscas e pobres do que outras.
  • Os modos de falar revelam a inteligência das pessoas, de modo que quem fala tudo errado necessariamente é mais estúpido do que quem fala tudo certo.
  • A capacidade de aprender uma língua estrangeira é um dom especial que algumas pessoas têm e outras não.
  • Palavras que as pessoas usam e que não estão no dicionário simplesmente não existem.
  • É mais fácil aprender chinês se você for descendente de chineses do que se for descendente de europeus, por exemplo.
  • As línguas têm características especiais, personalidades próprias: o francês é romântico, o alemão é rude, o russo é sonhador, o espanhol tem sangue quente, o chinês é simples e direto, o japonês é misterioso, o grego é filosófico etc.
  • Todo mundo tem sotaque, menos eu.
  • O português é uma das línguas mais difíceis do mundo.
  • As mulheres falam mais do que os homens.
  • Quem não sabe ler nem escrever não pensa direito...


Por mais “naturais” que possam parecer, todas essas crenças são infundadas, são erros grosseiros, e têm sido desconstruídas, peça por peça, pelos linguistas, filósofos, antropólogos, sociólogos, psicólogos e outros cientistas desde, pelo menos, a segunda metade do século XIX. Elas continuam vivas, porém, no senso comum e muitas vezes até, infelizmente, onde deveriam ser denunciadas e combatidas: no ensino de língua materna e/ou de línguas estrangeiras.

O princípio que guia a maioria das ideias sobre língua no senso comum é o do erro. Isso se deve a uma longuíssima tradição, iniciada no século III antes de Cristo, quando surgiu a disciplina chamada gramática, uma tentativa de criar um modelo ideal de língua, baseado nas escolhas dos grandes escritores do passado. Feitas essas escolhas, todos os demais usos, a começar os usos falados, receberam o rótulo de erro, de opções ilegítimas de falar e de escrever. A noção de erro, no entanto, tem de ser lançada na lata de lixo das ideias ruins por qualquer pessoa que queira se debruçar sobre qualquer área de conhecimento para investigar um fato/fenômeno natural ou social.

É assim que procede (ou se espera que proceda) um cientista da linguagem: se descobre, por exemplo, que numa mesma sociedade, como a brasileira, existem pessoas que dizem tu FALOU, tu FALASTE e tu FALASSE para expressar a mesma ideia de uma ação transcorrida no passado (pretérito perfeito), ele vai querer investigar as origens dessa variação e explicar cada uma dessas formas verbais por meio de hipóteses, que vai testar para ver se são válidas ou não. A ideia de que uma dessas formas é “certa” ou, pior, “bonita” e que as outras são “erradas” ou “feias” é descartada logo de saída como um falseamento das coisas pelas crenças equivocadas que vigoram no senso comum.

É esse senso comum que torna difícil, para quem está se iniciando nos estudos científicos da linguagem, a observação da própria língua e das línguas em geral como um objeto de investigação. Confundir o discurso científico com o discurso do senso comum é um risco ao qual estamos todos sujeitos, por causa da própria natureza do fenômeno da linguagem, profundamente entrelaçado na nossa humanidade, nas nossas práticas sociais, culturais, na nossa psicologia mais íntima, nas nossas crenças, atitudes, opções ideológicas e posturas diante dos fatos da vida em sociedade. Ao contrário da água e do azeite, que se juntam mas não se misturam, essas duas ordens de discurso estão sempre prontas para se entrelaçar numa trama complicada, onde fica quase impossível distinguir onde começa um fio e onde termina outro.

Mas atenção! Não estamos aqui recuperando o velho mito da “neutralidade científica”, em que o cientista aparece como uma pessoa totalmente desvinculada da realidade comum, desprezando todas as ideias e crenças dos “leigos”, vivendo isolado no seu pequeno mundo de investigações, cálculos, experimentos e descobertas, o estereótipo do “cientista maluco” (estereótipo racista e machista, diga-se de passagem, porque essa figura mítica é sempre homem e branco!). As mulheres e os homens que se dedicam à ciência vivem em sociedades complexas, participam da construção coletiva dessas sociedades, com seus valores, suas hierarquias, suas divisões de classe, suas diferenças de gênero, compartilham em maior ou menor grau os princípios da cultura e das subculturas em que estão imersos e por aí vai. A única coisa que os distingue dos demais membros da sociedade é uma opção profissional e consciente por determinados modos de observar e analisar os fatos/fenômenos do mundo que nos cerca. Opção consciente, sim, mas isso não quer dizer que, como qualquer ser humano normal, elas e eles estejam livres das investidas sorrateiras do inconsciente e do que possa haver de traços pouco nobres em suas personalidades. A antiga classificação do ser humano como “animal racional” caiu por terra há muito tempo, desde que Sigmund Freud deixou claro que quase tudo o que fazemos e dizemos é fruto do nosso inconsciente.

No entanto, mesmo com todos os obstáculos que enfrentamos na tarefa de observar a língua objetivamente, vale a pena tentar. Afinal, já diziam os gregos: pathémata mathémata, “os sofrimentos são ensinamentos”, isto é, “a gente aprende com as dificuldades”. E os romanos, que também gostavam de trocadilhos, diziam: Per angusta ad augusta, “pelos caminhos estreitos [se chega] ao cume”, isto é, ao ápice, ao ponto mais alto, ao objetivo nobre, augusto. Também diziam, com o mesmo sentido: Per aspera ad astra, “pelas asperezas [do caminho a gente chega] aos astros”, ou seja, à elevação do espírito. E a melhor maneira de percorrer as trilhas íngremes e ásperas sem tropeçar demais é olhar com muito cuidado para as pedras do caminho e aprender o máximo sobre elas. E é nisso que a ciência nos ajuda.

A respeito do caráter contraintuitivo dos postulados científicos, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, chamando-o de “discurso herético”, assim escreveu:

O discurso herético deve contribuir não somente para romper com a adesão ao mundo do senso comum, professando publicamente a ruptura com a ordem ordinária, mas também produzir um novo senso comum e nele introduzir as práticas e as experiências até então tácitas ou recalcadas de todo um grupo, agora investidas da legitimidade conferida pela manifestação pública e pelo reconhecimento coletivo.

O senso comum linguístico, como todo conjunto de crenças fortemente arraigadas, é um fator poderoso na configuração da ideologia sobre língua e linguagem que circula nas sociedades ditas ocidentais há mais de dois milênios. A doutrina conhecida como Gramática Tradicional tem impregnado esse imaginário linguístico, sobretudo com a noção de erro, verdadeira espinha dorsal desse sistema de crenças. Do reconhecimento desse fato histórico e sociocultural é que procede, no trabalho de muitos pensadores contemporâneos, o projeto de “produzir um novo senso comum”, trazer à tona, no nosso caso, uma língua “até então tácita ou recalcada de todo um grupo”. Por isso, é preciso cada vez mais lutar para que o português brasileiro autêntico deixe de ser visto sob a ótica pobre do “erro” e seja reconhecido como o que de fato é: a língua de todos e cada um de nós.

http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/blog/preconceito/lingua-e-senso-comum.html


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz