Campanha contra agrotóxicos critica patrocínio do agronegócio à Vila Isabel
            
Por José Coutinho              Júnior
              Da Página do MST
            
            Faz um bolo de fubá  
              Pinga o suor na enxada
              A terra é abençoada
              Preciso investir, conhecer
              Progredir, partilhar, proteger...
            
O samba acima é            enredo da escola Vila Isabel para o desfile do carnaval de            2013, escrito por Martinho da Vila, Arlindo Cruz, André Diniz,            Tunico da Vila e Leone. 
            
            A escola pretende com o tema Vila canta o "Brasil celeiro do            mundo - 'Água no feijão que chegou mais um...", fazer uma            homenagem à vida do homem simples do campo (clique aqui para ouvir o samba).            
            
            Segundo a carnavalesca Rosa Guimarães, que desenvolveu o tema            “A vida no interior é simples, mas é uma festa. Tem sempre            alguém querendo contar um ‘causo’, aquela mesa farta e muita            fé em Deus e no trabalho para ter uma boa colheita. As pessoas            recebem os vizinhos e amigos com muito carinho e tem sempre            aquele fogão de lenha acesso para preparar os quitutes”.
            
            No entanto, o desfile da Vila Isabel tem uma grande            contradição: a escola é patrocinada pela Basf, empresa            transnacional, fabricante de agrotóxicos e representante dos            interesses do agronegócio, que tem interesses opostos aos do            “homem simples do campo” retratado no samba enredo.
Representantes de diversos movimentos            sociais, participantes da Campanha Permanente contra os            Agrotóxicos e Pela Vida, em carta à Vila Isabel, elogiaram a            letra do samba e a representação da vida camponesa, mas            repudiaram o patrocínio. 
           
            “Em 2010, a BASF foi a terceira maior vendedora de agrotóxicos            no Brasil, lucrando 916 milhões de dólares com a doença dos            brasileiros e brasileiras. “Uma Escola que já nos presenteou            com belos sambas falando de um mundo melhor não deveria se            submeter ao interesse vil desta multinacional.” afirma a carta            (clique aqui para ler a carta).
           
            Nesta terça (29/01), representantes dos movimentos sociais            signatários da carta entregaram o documento na quadra da            escola à vice-presidenta Elizabeth Aquino. As entidades            pediram que uma faixa da Campanha Permanente Contra os            Agrotóxicos fosse estendida na quadra da agremiação. A faixa            vai agradecer o esforço da escola de valorizar os pequenos            agricultores brasileiros. Elizabeth concordou com a ideia,            desde que não haja teor político e que a mensagem passe pelo            crivo e aprovação do presidente da Vila Isabel, Cleber            Tavares.
A contradição que se vê no desfile da Vila            Isabel é a mesma que se vê no campo brasileiro: de um lado, o            agronegócio, defensor da monocultura e do latifúndio com vasto            uso de agrotóxicos; do outro, os movimentos sociais, os            assentados, os Sem Terra, que buscam implantar a agricultura            familiar com um modelo de produção mais igualitário e            saudável. 
            
            Para o professor e escritor Luiz Ricardo Leitão, a escola está            conseguindo equilibrar os dois lados. “Como qualquer tema, é            sempre uma disputa e objeto das mais variadas leituras. A            julgar pela letra, o tema da questão agrária está tratado de            forma ponderada, pois ela fala em fazer bolo de fubá, semear o            grão e saciar a fome com a produção, que é a proposta básica            da atividade agrícola, defendida pelos movimentos sociais que            se contrapõem à agricultura como um mero negócio”.
Venenos
A alemã Basf é a maior            empresa química do mundo. A empresa tem um histórico de            atentados ao meio ambiente e à vida humana. Durante a Segunda            Guerra Mundial, a empresa produziu o gás Zyklon B, usados nas            câmaras de gás nazistas para matar milhões de prisioneiros.
Em 2010, a Basf foi a terceira maior vendedora de agrotóxicos no Brasil, lucrando US$ 916 milhões com vendas de veneno. Em 2001, a empresa causou um vazamento de 11 mil litros de Mollescal, um corrosivo destinado ao curtimento de couro no Brasil. Depois do acidente, forneceu informações falsas ao serviço de emergência sobre o grau de toxidade da substância, colocando em risco os profissionais envolvidos no atendimento à população.
OCenso Agropecuário do IBGE de 2006 mostra que a agricultura familiar é responsável por 70% do alimento que chega à mesa dos brasileiros, mesmo ocupando apenas 25% das áreas agricultáveis.
Apesar de receber 14% do crédito dado pelo governo à produção agrícola, ela agricultura familiar emprega nove vezes mais pessoas por área e ainda é responsável por um terço das exportações agropecuárias do país. O agronegócio, que recebe os outros 86% do crédito, concentra 75% das terras mas produz apenas 30% dos alimentos que compõem a alimentação da população, empregando somente 1,5 trabalhadores a cada 100 hectares.
Sem submissão?
O professor acredita que o patrocínio da            Basf não é garantia de que o desfile da Vila Isabel seja mera            propaganda da empresa e do agronegócio, pois não se pode            subestimar o prestígio da escola, autora de enredos muitas            vezes progressistas, como o de 2006 que garantiu o segundo            título com Soy loco por ti América - A vila canta a            latinidade. 
            
            “A letra, o primeiro            elemento importante, que leva o samba à avenida, não é uma            submissão aos desígnios do agronegócio. E também no plano            alegórico, espero eu que a escola saiba equilibrar esse embate            entre interesses dos oligopólios e interesses da população,            dos trabalhadores rurais”, acredita. 
            
            Elizabeth Aquino, vice-presidenta da escola, em reunião com            representantes de movimentos sociais que realizaram a entrega            da carta, afirmou que o desfile não será propaganda da Basf.            “A Vila Isabel pegou recursos da Basf para que fizéssemos um            carnaval mais grandioso. Somente com o repasse da Prefeitura            nenhuma agremiação faz um carnaval competitivo. Mas todo nosso            carnaval é a valorização do homem do campo. Não colocaremos na            avenida nenhum maquinário agrícola top de linha. Nas fantasias            e alegorias, retratamos a natureza e homem do campo, não são            os grandes agricultores. 
            
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            Para a vice-presidenta da escola, o benefício que a Basf tem            com o patrocínio é ganhar visibilidade. “A Basf nos ajudou            financeiramente e em troca, é claro, não existe visibilidade            maior que a proporcionada pelas escolas de samba. Nenhum            outdoor que ela espalhe pelo mundo dará tanta visibilidade. O            desfile do Rio vai para o mundo inteiro. Mas nós não estamos            fazendo apologia nenhuma da Basf”.  
            
            Essa visibilidade proporcionada pelo patrocínio, no entanto, é            uma tentativa de confundir o público, pois passa a imagem de            que a agricultura brasileira constitui um bloco único, no qual            agricultores familiares, grandes latifundiários e empresas            multinacionais prestam o mesmo papel de servir o país na luta            para acabar com a fome e preservar o meio ambiente. Não há,            nessa imagem, qualquer tipo de confronto entre as partes, mas            uma sensação de unidade.   
            
            “Esta é uma das iniciativas de comunicação mais ousadas da            Unidade de Proteção de Cultivos da BASF, que impactará            diversos públicos, incluindo aqueles que não têm relação            direta com o agronegócio. O Brasil é um líder na produção de            alguns produtos e um gigante nas exportações, porém é preciso            reforçar junto à sociedade a importância da agricultura e da            tecnologia nela empregada para que tenhamos essa posição.            Acreditamos que a parceria com a Vila Isabel, aliada à ação do            vídeo, vai reconhecer e valorizar o produtor rural, de uma            forma criativa e inusitada”, disse Maurício Russomanno,            vice-presidente da Unidade de Proteção de Cultivos da Basf            para o Brasil, no pronunciamento oficial do patrocínio a Vila            Isabel.
            
            
A Basf não é a primeira entidade ligada ao            agronegócio que se utiliza de campanhas publicitárias com            ícones brasileiros numa tentativa de unificar o campo            brasileiro no imaginário da população. Em 2012, a Confederação            da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade máxima do            agronegócio, contratou o jogador Pelé para fazer comerciais            sobre a importância da agricultura brasileira.
Segundo nota da CNA, o objetivo da campanha            é "consolidar a imagem do agronegócio sustentável brasileiro            no País e no exterior" e “divulgar as práticas sustentáveis            adotadas pelos produtores rurais brasileiros, além de outras            iniciativas que assegurem a boa qualidade do produto            nacional".
            
            Para Ricardo Leitão, essas estratégias publicitárias são            formas de humanizar o agronegócio ao associá-lo com a            agricultura familiar. “Esse é o jogo da ideologia: os            representantes do oligopólio se apresentam como defensores de            todos os segmentos agrícolas do país. Se o movimento popular            investe na agricultura, o agronegócio vai se colocar ao lado            dele, não contra. O agrotóxico é vendido como um produto para            o conjunto dos agricultores, e não para um só segmento. É            preciso desenvolver a ideia da unidade, até porque o            agronegócio está estigmatizado pelo desmatamento, e é muito            difícil se associar a um segmento que é responsável pelo            desmatamento, pela deturpação do Código Florestal”. 
            
            Ainda é cedo para dizer se o desfile da Vila Isabel vai            cumprir o seu objetivo, mas pelo fato da escola também dar            espaço para que os movimentos sociais se manifestem e exponham            seu ponto de vista, além do comprometimento da escola em            tratar do homem da vida do homem do campo, é possível que os            trabalhadores rurais recebam a homenagem que merecem. 
            
            “Tenho a impressão de que nesse caso específico, a estratégia            publicitária do agronegócio pode falhar, e o veneno se            reverter contra o envenenador. Não sei, talvez seja só            otimismo meu, é esperar para ver”, afirma Ricardo Leitão.
http://www.mst.org.br/content/campanha-contra-agrotoxicos-critica-patrocinio-a-vila-isabel-do-agronegocio
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