Por Jacques Távora Alfonsin
O Dr. Dagoberto Lima Godoy publica artigo na ZH de domingo, dia 13, sob o título Conselhos e “consertações”, oferecendo sérias críticas ao recentemente criado “Conselhão” para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Atribuindo ao mesmo ter sido inspirado em iniciativa semelhante, já implantada na Espanha, aponta cinco principais objeções à mesma: a primeira, a de não ser democrática como a espanhola. Nessa, o governo não detém a maioria das escolhas dos integrantes do Conselho, enquanto a daqui fica dependente do arbítrio do governador, em sua totalidade; a segunda, a de a iniciativa do governo gaúcho visar empreender uma concertação (no título do artigo essa palavra vem redigida com s; no corpo do texto com c…) política, a sombra de uma lição de Eric Hobsbawn sobre a velhice do socialismo, do comunismo e do marxismo; a terceira, o fato de esse mesmo modelo já ter provado sua inutilidade, na esfera federal, servindo apenas para enaltecer o presidente da República de então, como atestam, segundo o articulista, Dora Kramer e Maílson da Nóbrega; a quarta, a de existir na iniciativa gaúcha, ao contrário do que se apregoa, mais cooptação do que propriamente articulação e a quinta a de a “democracia radical”, pelo governador planejada ser tutelada por ele, ao contrário da “tradicional”.
Como a nossa participação vai se dar no Conselho criticado, pareceu-nos conveniente e necessário, mesmo sem procuração das/os demais conselheiras/os, oferecer resposta a tal crítica, pelo menos em nome próprio. Quem analisa a lei que criou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul (13.656 de janeiro passado), lê no seu artigo 6º o seguinte: “O CDES-RS promoverá a capilaridade, a transparência e a publicização de suas discussões e espaços virtuais de debate e de participação popular relacionados aos temas abordados pelo Plenário e pelas Câmaras Temáticas”.
A dificuldade que o autor do artigo aqui analisado tem, não sem boa dose de ironia, para entender a chamada consertação, é muito menor do que a de se entender onde, quando e como o arbítrio do governador poderá prevalecer aqui, ou o próprio Dr.Godoy, se quiser, deixará de ser ouvido pelo Conselho. Ressalvada a hipótese de a expressão “participação popular”, garantida por essa disposição de lei, ter ferido os ouvidos dele como pouco adequada à espécie de democracia por ele concebida, a simples leitura do primeiro artigo da nossa Constituição Federal deveria ter-lhe servido de advertência contrária ao que afirmou, pois aqui no Estado, o CDES/RS constitui uma iniciativa pública pioneira de ampliação da soberania do povo, sem a qual nem de democracia pode ser chamado qualquer regime de governo.
Se, na opinião do articulista, por outro lado, a experiência anterior de Conselho semelhante, teria sido inútil e servido apenas para enaltecer o ex-presidente Lula, também fica difícil entender qual fatalidade preside a conclusão de que – respeitada exclusivamente a sua opinião – esse “insucesso” (?) – vai se repetir aqui. Será que, bem ao contrário do referido pelo articulista, o dito Conselho, considerado apenas como inútil e laudatório, nenhuma contribuição deu para os índices históricos de aprovação do povo à gestão administrativa do ex-presidente, nunca antes alcançados por seus antecessores?
Quando ele impugna a recente iniciativa política de criação do CDES/RS como a de uma democracia tutelada e não condizente com a tradicional gera a suspeita de que esteja saudoso da outra, vencida pelo povo e pela nova Constituição Federal desde 1988. Aquela, a do regime militar, se auto proclamava democrática, e hoje se esconde, covardemente, de ter a sua tutela militar, aí sim, a sua arbitrariedade, as torturas que promoveu, as “tenebrosas transações” em que se envolveu, reveladas por força da Comissão de Verdade que o PNDH3 tentou realizar.
O clamor mais do que justificado, diariamente ouvido, sobre corrupção política, jamais conseguiu eco, no Congresso Nacional, para se investigar a outra, a corrupção econômica, havida durante aquele regime, ou seja a patrocinada pelo poder interno e externo dos detentores de capital para isso, a qual deita raízes até hoje. Alguém lembra, por exemplo, do sacrifício que o povo brasileiro teve de penar, durante décadas, para pagar uma dívida externa como a deixada pelo referido regime e ampliada posteriormente? Entretanto, o art. 26 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988 previa que isso fosse feito em um ano…
Esse parêntese tem que ser aberto aqui, porque democracia por democracia, proximidade por proximidade do governo com o seu povo, estão muito pouco claras na comparação que o Dr. Godoy faz entre a democracia “tradicional” e a “radical” que ele suspeita de tutelada pelo governo.
Alguém já afirmou que há uma diferença grande entre verdade e veracidade, entre fato e versão fazendo com que o “significante-amo”, que domina certas acusações, imponha a versão em prejuízo do fato. Essa sobredeterminação de sentido é dotada, até, de uma violência ideológica no pior sentido desta palavra, ou seja, o da criação de uma falsa consciência em leitoras/es menos avisadas/os.
Disso o Dr. Godoy, para seu pesar, não pode se declarar isento. A sua afirmação de que a iniciativa governamental teve como objetivo cooptar e não articular é leviana, grosseira, infundada e, por tudo isso, manifestamente irresponsável. Consta que ele seja professor. Então deveria saber que, para haver cooptação, há necessidade de alguma matéria que lhe sirva de objeto e do consentimento de quem é cooptado sobre a mesma. Aí ele feriu gravemente, portanto, a honra de todas/os as/os conselheiras/os. Mesmo sem procuração das/os demais, como já deixamos claro acima, essa acusação tem de ser repelida aqui, de nossa parte pelo menos, com a maior veemência, como injusta, indigna e anti-ética.
Ao aceitar participar do CDES/RS não nos consideramos cooptados por ninguém, mas sim chamados a uma responsabilidade bem superior àquela que o artigo do Dr. Godoy revela, se é que esse tem alguma. Seria bem interessante saber como reagiria à acusação sem fundamento de que ele, ou as/os suas/seus pares na OIT, na qual ele representa empregadoras/es brasileiras/os, segundo sua identificação expressa no artigo que assinou, foram cooptadas/os por ela. Mesmo assim, como prevê o art. 6º da lei instituidora do CDES/RS, acima transcrito, fica-lhe garantida a possibilidade de repetir tudo quanto disse sobre este Conselho, ao vivo e na presença do mesmo, para, dessa forma, demonstrar que ele respeita o princípio democrático do contraditório e da ampla defesa. Vamos aguardar que ele se valha dessa prerrogativa.
Serve-lhe muito bem o que ele próprio diz no final do seu texto: “Se vai se prestar para isso – ou não – o tempo dirá.”
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