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Para isso, escolher uma linguagem compreensível, buscar exemplos do cotidiano, falar do que importa para uma vida melhor, denunciar o inaceitável e levantar esperanças donde só se pode ver miséria, desencanto e morte. Para que a verdade seja reconhecível para quem vive embrulhado por inverdades, principalmente pelas mentiras do silêncio sobre o que é fundamental, invisível aos olhos e corações, como tarefa cotidiana da imprensa mercantil.
Cada tanto tempo ele nos regala com livros. Alguma vez me perguntaram que livro eu recomendaria a alguém que fosse ler um único livro e eu respondi: O mundo de cabeça para baixo. Agora tenho que acrescentar: no século passado. Neste recém nascido, eu diria: Espelhos – Uma história quase universal.
Ele se chama Eduardo Galeano, vive em Montevidéu, mas habita o mundo e os nossos corações. É o mais subversivo dos seres humanos, por isso o Brasil é o único pais dos que eu conheço, que não publica suas crônicas regularmente na chamada grande imprensa. Não querem dar tiro nos seus próprios pés – ou no próprio bolso, permitir comparações com os ventríloquos dos poderosos que eles publicam diariamente. Fazem bem. Censuram por razões compreensíveis, tornam mais saborosos ainda os textos do Galeano.
Espelhos:
Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos nos recordam.
Quando nos vemos, nós os vemos.
Quando nos vamos, eles se vão?
Essa a abertura. Na última capa:
Este livro foi escrito para que não se vão.
Nestas páginas se unem o passado e o presente.
Renascem os mortos, os anônimos têm nome:
os homens que levantaram os palácios e os templos de seus senhores;
as mulheres, ignoradas pelos que ignoram o que temem;
o sul e o oriente do mundo, desprezados pelos que desprezam o que ignoram;
os muitos mundos que contêm e esconde;
os pensadores e os sentidores;
os curiosos, condenados por perguntar,
e os rebeldes e os perdedores e os loucos lindos que foram e são o sal da terra.
Não digo mais nada, não cito mais nada, me entristeci quando terminei a leitura dos quase 600 relatos, aí me alegrei quando recomecei. Só lhes digo: leiam, leiam todos os seus relatos. Mas sobretudo leiam a história de Rosa María, a primeira negra alfabetizada no Brasil, como nasceu, como viveu e como desapareceu. Nos enfeitiçamos com ela e com os espelhos em que reconhecemos o mundo que criamos e recriamos todas as horas, mas em que fingimos não nos reconhecermos.
Espelhos de nós mesmos. Obrigado, Galeano.
Postado por Emir Sader - 02/05/2008 às 12:46
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