Opinião
Como a crise global abalou a reputação dos economistas
Martin Wolf avaliou positivamente a obra que afirma os perigos de se deixar a economia para especialistas
No mundo desenvolvido ou, como querem alguns, nos países avançados, torna-se mais azedo o azedume com as recomendações e previsões de economistas. Livros e artigos investem contra as cidadelas tão frágeis quanto soberbas da sabedoria econômica.
Três jovens economistas do movimento Rethinking Economics – Joe Earle, Cahal Moran e Zach Ward-Perkins – escreveram um livro devastador em sua serenidade: Econocracy. Subtítulo: O perigo de deixar a economia para os especialistas.
O livro recebeu avaliações elogiosas de Robert Skidelsky, o biógrafo de Keynes, e de Martin Wolf, editor e colunista do Financial Times. Wolf dá uma estocada no fígado das universidades que formam economistas com treinamento estreito e obtuso, viciados em "manipular equações baseadas em suposições irrealistas".
A matemática de Bertrand Russel e Kurt Gödel é usada como escudo protetor dos Modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral, infestados de hipóteses tolas como as que reverenciam as expectativas racionais e o agente representativo.
A crise financeira global que ainda avassala o planeta, entre outras coisas, desvelou a precariedade das teorias e previsões econômicas. A reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências sofrem danos sempre que o velho (e talvez nem tão surpreendente) capitalismo perpetra suas velhacarias.
Quando os negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna.
Na era da informação, a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos, ou pelo menos a maioria, tratam de insuflar a bolha de otimismo.
Chamo a atenção para as agruras de um renomado economista nos idos de 1929. Às vésperas do crash da Bolsa de Nova York, Irving Fisher declarou – extasiado diante das promessas de crescimento sem fim – que os preços das ações ainda estavam baixos.
Fisher quebrou a cara, mas nem por isso foi punido com a expulsão da seleta galeria dos grandes. Os jovens economistas de hoje aprenderiam muito com suas contribuições ao estudo dos processos de deflação de dívidas, fenômeno que soe ocorrer nos momentos de reversão das etapas turbinadas por expectativas eufóricas e crédito abundante.
Daqueles tempos a esta parte, é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que encontrar um estudante de economia que tenha lido Fisher ou pelo menos ouvido alguma notícia sobre sua obra. Esse solene desprezo pelos estudos clássicos sobre os ciclos e crises do capitalismo é a moda nos círculos acadêmicos americanizados do planeta.
As novas teorias, aquelas que constituem hoje a chamada corrente principal do pensamento econômico, estão mais comprometidas em demonstrar que é improvável ocorrer o fenômeno que os velhos economistas investigavam. No rol dos malditos estão, entre tantos, Keynes, Schumpeter, Mitchell, Kalecki, Minsky.
Mas – é bom repetir – as façanhas do velho e nem sempre surpreendente capitalismo (pródigo em crashes e pânicos) lançaram no torvelinho da descrença as arrogâncias e certezas dos sabichões. Mas, para quem não sabe de seus prodígios, a fé não só é capaz de mover montanhas como também tem força para negar a realidade.
Ainda recentemente, o jornal Valor Econômico publicou um debate sobre a taxa de juros, expondo diferentes visões e estruturas analíticas que porfiam no campo da chamada ciência triste. A turma da corrente dominante retrucou com impropérios aos questionamentos de sua sabedoria e respeitabilidade. Um jovem crente, indignado, escreveu que o jornal "confessou" a sua adesão ao pluralismo.
Imagino que, vivesse na era da Inquisição, o jovem estudioso da produção de riquezas mandaria à fogueira as obras e seus autores heréticos.
No filme As Confissões, de Roberto Andò, a ministra das Finanças do Canadá reproduz uma piada contada pelo diretor-gerente do FMI, Daniel Roché. Um candidato a transplante de coração recusa uma oferta de órgão retirado de um menino: não quero, é muito jovem. Em seguida, os médicos oferecem o coração de um gestor de hedge fund. Ele recusa porque o tipo não tem coração. Os médicos insistem: aceite o coração de um banqueiro central. Ele aceita porque esse coração nunca foi usado.
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