Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

29.7.15

Desafio permanente: cuidar de si mesmo

Colunista
28/07/2015 - Copyleft 
Leonardo Boff

Desafio permanente: cuidar de si mesmo

Cuidar de si mesmo é amar-se, acolher-se, reconhecer nossa vulnerabilidade, poder chorar, perdoar-se e perdoar. Escrevemos direito apesar das linhas tortas.



Ao assumir a categoria "cuidado" na relação para com a Mãe Terra e para com todos os seres, o Papa Francisco reforçou não só uma virtude mas um verdadeiro paradigma que representa uma alternativa ao paradigma da modernidade que é a da vontade de poder que tantos prejuízos trouxe.
 
Devemos cuidar de tudo, também de nós mesmos, pois somos o mais próximo dos próximos e, ao mesmo tempo, o mais complexo e mais indecifrável dos seres.
 
Sabemos quem somos? Para que existimos? Para onde vamos? Refletindo nestas perguntas inadiáves vale lembrar a ponderação de Blaise Pascal ( 1662) talvez a mais verdadeira.
 
Que é o ser humano na natureza? Um nada diante do infinito, e um tudo diante do nada, um elo entre o nada e o tudo, mas incapaz de ver o nada de onde veio e o infinito para onde vai (Pensées § 72).
 
Na verdade, não sabemos quem somos. Apenas desconfiamos como diria Guimarães Rosa. Na medida em que vamos vivendo e sofrendo, lentamene desvendamos quem somos. Em último termo: expressões daquela Energia de fundo (imagem de Deus?) que tudo sustenta e tudo dirige.  
 
Junto com aquilo que de fato somos, existe também aquilo que potencialmente podemos ser. O potencial pertence também ao real, quem sabe, a nossa melhor parte. A partir deste transfundo, cabe elaborarmos  chaves de leitura que nos orientam na busca daquilo que queremos e podemos ser.
 
É nesta busca que o cuidado de si mesmo desempenha uma função decisiva. Não se trata, primeiramente, de um olhar narcisista sobre o próprio eu o que leva, geralmente, a não conhecer-se a si mesmo mas identificar-se com uma imagem projetada de si mesmo e, por isso, falsa e alienante. 
 
Foi Michel Foucault com sua minuciosa investigação Hermenêutica do sujeito (2004) que tentou resgatar a tradição ocidental do cuidado do sujeito, especialmente nos sábios do século II/III como Sêneca, Marco Aurélio, Epicteto e outros. O  grande motto era o famoso ghôti seautón, conheça-te a ti mesmo. Esse conhecimento não algo abstrato mas muito concreto como: reconheça-te naquilo que és, procure aprofundar-te em ti mesmo para descobrires tuas potencialidades; tente realizar aquilo que de fato podes.
 
Neste contexto se abordavam as várias virtudes, tão bem discutidas por Sócrates. Ele advertia evitar o pior dos vícios que para nós se tormou comum: a hybris. Hybris é o ultrapssar os limites e buscar ser especial, acima dos outros. Talvez o maior impasse da cultura ocidental, da cultura cristã, especialmente da cultura estadounidense com o seu imaginado Destino Manifesto (o sentir-se o novo povo eleito por Deus) é a hybris: o sentimento de superioridade e de excepcionalidade, impondo aos outros nossos valores, sancionados por Deus.
 
A primeira coisa que importa afirmar é que o ser humano é um sujeito e não uma coisa. Não é uma substância, constituída uma vez por todas mas um nó de relações sempre ativo que mediante a cadeia das relações está continuamente se construindo, como o faz o universo. Todos os seres do universo, consoante a nova cosmologia, são portadores  de certa subjetividade porque tem história, vivem em interação e interdependência de todos com todos, aprendem trocando e acumulando informações. Esse é um princípio cosmológico universal. Mas o ser humano realiza  uma modalidade própria  deste princípio que é o fato de ser um sujeito  consciente e reflexo. Ele sabe que sabe e sabe que não sabe e, para sermos completos, não sabe que não sabe.
 
Este nó de relações se articula a partir  de um Centro ao redor do qual organiza as relações com todos os demais. Esse eu profundo nunca está só. Sua solidão é para a comunhão. Ele reclama um tu. Melhor, segundo Martin Buber, é a partir do tu que o que eu desperta e se forma. Do eu e do tu nasce o nós.
 
O cuidado de si implica, em primeiríssimo lugar, acolher-se a si mesmo, assim como se é com suas aptidões e seus limites. Não com amargura como quem quer modificar a sua situação existencial. Mas com jovialidade. Acolher o próprio rosto, cabelos, pernas, seios, sua aparência e modo de estar no mundo,  em fim seu corpo (Veja Corbin e outros, O corpo, 3 vol. 2008). Quanto mais nos aceitamos menos clínicas de cirurgias plásticas existirão. Com as características físicas que temos, devemos elaborar nosso jeito de ser no mundo.
 
Nada mais ridículo que a construção artificial de uma beleza moldada em disssonância com a beleza interior. É  a tentativa vã de fazer um "photoshop" da própria imagem.
 
O cuidado de si exige saber combinar as aptidões com as motivações. Não basta termos aptidão para a música se não sentimos motivação para ser músico. Da mesma forma, não nos ajudam as motivações para sermos músico se não tivermos a aptidão para isso. Disperdiçamos energias e colhemos frustrações. Ficamos medíocres, o que não engrandece.
 
Outro componente do cuidado para consigo mesmo é saber e aprender a conviver com a dimensão de sombra que que acompanha a dimensão de luz. Amamos e odiamos. Somos feitos com estas contradições. Antropologicamente se diz que somos ao mesmo tempo sapiens e demens, gente de intligência e junto a isso gente de rudeza. Somos o encontro das oposições.
 
Cuidar de si mesmo é poder criar uma síntese onde as contradições não se anulam mas o lado luminoso predomina.
 
Cuidar de si mesmo é amar-se, acolher-se, reconhecer nossa vulnerabilidade, poder chorar, saber perdoar-se e perdoar e desenvolver a resiliência que é a capacidade de dar a volta por cima e aprender dos erros e contradições. Então escrevemos direito apesar das linhas tortas.






Nenhum comentário:


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz