No discurso de posse, um recado ficou claro: A reforma política é inevitável
Matheus Pichonelli em seu blog
Pouca gente deve ter notado ou prestado atenção. Mas, ao final do discurso de posse para o segundo mandato de Dilma Rousseff, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, tomou o microfone para fazer, provavelmente, o aceno mais simbólico de toda a tarde. Em rara oportunidade de fazer um pronunciamento em rede nacional, ele aproveitou a brecha na festa da petista para conclamar os parlamentares, inclusive a oposição, a tirar da gaveta o projeto de reforma política, citado como prioridade da presidenta minutos antes. Segundo ele, os colegas pagarão um preço alto se não promoverem as mudanças esperadas no sistema atual – um sistema de super-representação que permite, como ele mesmo lembrou, a coexistência de 32 partidos políticos, 28 deles presentes no Congresso.
Ao seu lado estava o vice-presidente Michel Temer, que ouvia, como de praxe, sem manifestar qualquer expressão. Do outro lado estava o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.
O trio de caciques do PMDB em torno da presidenta reempossada deixava claro com quem a petista terá de negociar para cumprir o principal compromisso anunciado na solenidade: mudar as regras do jogo. Este jogo tem como alavanca o financiamento empresarial de campanha, considerado por muitos o pai de toda confusão entre desvios públicos e interesses privados do sistema atual.
A menção ao compromisso não se dá por acaso. Em 43 minutos de discurso, Dilma Rousseff usou mais a palavra "corrupção" do que qualquer outra. Como tem feito durante toda a crise da Petrobras, ela se comprometeu a fortalecer e ampliar os canais de investigação e transparência para julgar e "extirpar" o mal. Na declaração mais incisiva, prometeu preservar a Petrobras da ação de "predadores internos e inimigos externos" que promovem, segundo ela, um "cerco especulativo" devido a interesses contrariados com o regime de partilha da exploração do pré-sal e da política de conteúdo nacional. Mas os "predadores internos", até onde se sabe, eram a ponte entre campanhas políticas milionárias e contratos bilionários com o poder público. É esta ponte que uma reforma política bem calibrada pode implodir. (Em tempo: entre os 28 políticos suspeitos de se beneficiar do esquema, segundo a Operação Lava-Jato, está justamente o presidente do Senado, Renan Calheiros).
A proposta de reforma política é uma bandeira antiga da militância petista, citada pela presidenta apenas uma vez. Para os demais partidos, o PT seria o maior beneficiário das mudanças, já que teria mais estrutura de mobilizar militantes para financiar as campanhas, sobretudo para o Legislativo, para o qual pretende instituir o voto em lista (escolhida pela legenda, e não pelo eleitor).
Era esperado que a reforma política fosse um tema abordado pela presidenta em seu discurso. Sem ela, a promessa de "extirpar" a corrupção será só uma carta vazia de intenções. Ao citá-la diante dos parlamentares, ela joga ao Congresso o ônus de rejeitá-la. Ao fazer coro ao apelo, Calheiros deixa claro que o ônus é pesado demais para ser chutado. Não se sabe se ele falava como representante do Congresso, do PMDB ou como senador citado na maior investigação de desvios em curso no país. Mas, em meio a tantas cartas de intenções, é possível vislumbrar um caminho inevitável: para o bem ou para o mal, o sistema político como o conhecemos pode ter começado a morrer no 1º de janeiro de 2015.
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