Tarso Genro: “anti-política da mídia gera graves desigualdades eleitorais”
Marco Weissheimer
“A anti-política, presente nos grandes meios de comunicação dominantes do país, é uma forma refinada de fazer política, que gera graves desigualdades nas disputas eleitorais, no âmbito da democracia, como estamos vendo aqui no Rio Grande do Sul”. A afirmação é do governador Tarso Genro (PT) que, em entrevista ao Sul21, aponta aquelas que considera ser as principais premissas da disputa eleitoral este ano no Estado. O chefe do Executivo não quis comentar diretamente o resultado da pesquisa Ibope, contratada pela RBS, divulgada neste fim de semana e que coloca dois ex-jornalistas da empresa, Ana Amélia Lemos (PP) e Lasier Martins (PDT), na liderança das disputas para o Piratini e o Senado, respectivamente, mas criticou a distorção que essas candidaturas de personalidades midiáticas causam na política.
“A campanha eleitoral destes indivíduos, às vezes transita por décadas, contra aqueles que estão nas agruras do dia-a-dia, na ação política, expondo-se na plenitude do debate democrático e arriscando, frequentemente, o seu patrimônio moral e material e, não raro, atacados, com ou sem causa, pela grande mídia”, diz Tarso Genro.
Qual sua avaliação sobre o resultado a pesquisa Ibope divulgada neste final de semana pela RBS?
Tarso Genro: Não vou comentar a pesquisa sobre a disputa sobre o Governo do Estado porque, neste momento, acho mais importante discutirmos as premissas políticas mais amplas, sobre as quais se realiza esta eleição, do que as preferências eleitorais momentâneas. As eleições deste ano serão atípicas, pois, ao mesmo tempo que sofremos um efeito brutal da crise mundial, que nos atinge todos os dias, a oposição não tem qualquer credibilidade para vencer e governar o país. Nas eleições anteriores, os efeitos da crise do capitalismo ainda atingiam pouco o Brasil, mas agora eles estão cobrando a conta. Precisam extorquir dos Brics – através de um novo surto de elevação dos juros – os avanços que conquistamos no último período, para assim financiar a recuperação das suas economia deterioradas.
E quais seriam essas premissas políticas mais amplas que estariam no centro da disputa eleitoral de 2014?
Tarso Genro: É visível que, tanto aqui no Estado, como nacionalmente, não só os candidatos alinhados com o patrimônio político do PT e de Lula estão sob ataque, desta vez, articulado e muito mais pesado do que em outras oportunidades. Mas é visível, também, que se amplia o processo de desmoralização das instituições políticas de Estado e dos partidos em geral, promovido conscientemente pela grande mídia.
Alimenta-se, nacionalmente, a perspectiva de surto inflacionário (ao mesmo tempo que são secundarizados os casos de corrupção demo-tucanos); a Copa deixa de ser um grande evento mundial de caráter esportivo e torna-se um problema para as finanças públicas; faz-se uma forte tentativa de deterioração do patrimônio público com ataques para destruir a Petrobrás e desvalorizar o BNDES; e, sobretudo, acentua-se a campanha para desvalorizar a política e os políticos, tornando os desvios de conduta e as ilegalidades, um patrimônio negativo de todos os partidos; aí, indistintamente, sejam partidos de oposição, de direita, esquerda ou de ultraesquerda: é a busca do fim da política para colocar, em lugar dela, a técnica, o pragmatismo e a insensibilidade burocrática, que sempre foi uma característica de uma direita específica, aquela alinhada com o neoliberalismo e com a redução das funções públicas do Estado, que não é, aliás, uma característica de toda a direita.
Trata-se de uma tática golpista de novo tipo. À medida que você desvaloriza os ritos democráticos e republicanos, tornando regra o que é, não exceção, mas parte minoritária do jogo político, você cansa as pessoas da democracia e começa ser quebrado o ovo da serpente: o cansaço da democracia leva as pessoas comuns a terem saudades do autoritarismo e do silêncio das ruas. Como hoje não podem contar com as Forças Armadas, que estão profissionalizadas e cumprindo as suas funções constitucionais, o caminho mais adequado é a desmoralização do público, a desmoralização dos partidos e a desmoralização dos políticos em geral. Mas, prestem atenção, à medida que fazem isso fabricam seus próprios políticos, extraídos do seu meio ou não, como fizerem com o desaparecido Demóstenes e tentaram fazer com o atual Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, que, no particular, não aceitou o papel que tentaram lhe reservar.
Quais setores políticos e sociais, na sua avaliação, estariam abraçando isso que chama de “tática golpista de novo tipo”? O seu diagnóstico aponta também uma articulação desses setores com empresas de comunicação. Como essa aliança estaria se expressando, na prática?
Tarso Genro: Não se trata de uma simples conspiração, na qual as pessoas reúnem-se no escuro e resolvem terminar com o projeto democrático em construção ou em renovação, em muitos países do mundo. Trata-se de uma nova forma, operada através dos grandes grupos de mídia, de partidarização, no âmbito da democracia política moderna, dos meios de comunicação de massa. É um recurso político para sustentar os interesses imediatos das novas elites mundiais, controladoras dos fluxos financeiros e da acumulação especulativa, para que o lucro e os pagamentos da dívidas públicas não sofram qualquer restrição. Estas elites, é óbvio, juntamente com o Estado – que é refém destas mesmas elites credoras - financiam, não só através da publicidade, os grandes grupos de mídia, que tratam a política, a cultura, a violência, segundo os seus valores e os seus interesses mercantis, não segundo o seu dever constitucional.
Assim como os Estados, hoje, são refém da especulação financeira global em função da dívida pública, os grandes grupos de comunicação – locais e globais - são extensões deste mesmo poder e tornam-se partidarizados; ou seja, tornam-se partes do jogo político, muito menos informando e muito mais orientando o Estado, segundo a sua visão de mundo e as suas necessidades como empresas. Ao mesmo tempo, proclamam o fracasso do Estado e também tentam selecionar os que podem, ou não governar. O sucesso desta investida é sempre relativo, pois, como hoje temos a informação circulando em redes e outros meios alternativos de informação, embora o jogo político torne-se desigual, ainda é um jogo político dentro da democracia, ainda que, neste caso, relativa.
Relativa porque, na disputa política entre partidos no âmbito do Parlamento, por exemplo, você tem ataques e respostas, respostas e ataques, em condições de igualdade. Mas, nos ataques, às vezes manipulados ou nas mentiras deslavadas da mídia partidarizada, as condições de disputa não são democráticas. As respostas que dão os partidos ou os agentes políticos, em geral, são publicadas apenas de forma residual ou manipuladas, em termos editoriais, quando, não raro, os jornais ou TVs não partem para novos ataques, sem publicar qualquer resposta.
Qual deve ser, na sua opinião, a resposta que deve ser dada a essa tática?
Tarso Genro: Isto serve para qualquer Partido. A solução, para isso, não é, evidentemente, qualquer tipo de censura ou mesmo atacar, em geral, os jornalistas que estão ali trabalhando, como os empregados trabalham em qualquer empresa, a saber, dentro da estratégia empresarial dos donos do negócio. A solução é pactuar novas regras para a democratização das concessões, regrar a obrigatoriedade de pluralizar a informação política, qualificar a rede pública, em todos os âmbitos, bem como travar uma batalha em torno de uma ética pública sobre as finalidades da comunicação, para que ela seja menos mercadoria, menos violência, mais cultura e informação isenta e de qualidade.
Essa última pesquisa Ibope aponta na liderança da corrida eleitoral para o governo do Estado e para o Senado dois ex-jornalistas da RBS que tiveram uma grande exposição midiática nas últimas décadas. Isso chega a representar um fator de desequilíbrio?
Tarso Genro: Esta pesquisa, em especial, aponta um sintoma nas eleições estaduais que confirma as análises que costumo fazer sobre a grande mídia, como partido, naquele sentido de ser parte do debate político para, de forma unilateral, desconstituir as instituições políticas e transitar voluntariamente ou automaticamente, se quiserem, seus interesses.
Não tomem estas observações como crítica pessoal a um candidato, mas como revelação do que ele enseja, com a sua candidatura. É um jornalista que dedicou grande parte da sua vida a colocar a política e os partidos como envoltos num mar de corrupção e de incompetência, fazendo uma figuração de profeta das mazelas de todos em defesa da comunidade e da pureza da suas próprias intenções. Sem direito às respostas, é óbvio, na mesma proporção dos seus ataques.
Ora, é um estilo bem conhecido na estado atual da crônica política nacional e, até aí, nada demais. Mas, logo ele se torna candidato ao Senado e então aparece, nas disputas para aquela casa da Federação, sem ter tido qualquer participação na vida partidária, no contencioso democrático público ou na gestão pública. E aparece com larga vantagem sobre dois ex-Governadores e uma ex-Senadora, todos com extensa vida partidária e sobre os quais não pende qualquer passivo moral ou penal. Sua apresentação pública como candidato ocorre, depois dele ter tido um largo espaço, em horário nobre na TV em que trabalha, para anunciar que a sua candidatura vem para corrigir as mazelas da vida pública e purificar a esfera da política, com a sua personalidade invulgar.
Ora, que ele aproveite esta oportunidade faz parte da nossa democracia, mas seu proveito não pode nos impedir de manifestar a convicção de que a anti-política, presente nos grandes meios de comunicação dominantes do país, é uma forma refinada de fazer política, que gera graves desigualdades nas disputas eleitorais, no âmbito da democracia, como estamos vendo aqui no Rio Grande do Sul, não só no Senado.
Que desigualdades são estas exatamente, na sua avaliação?
Tarso Genro: A campanha eleitoral destes indivíduos, às vezes transita por décadas, contra aqueles que estão nas agruras do dia-a-dia, na ação política, expondo-se na plenitude do debate democrático e arriscando, frequentemente, o seu patrimônio moral e material e, não raro, atacados, com ou sem causa, pela grande mídia. O que é surpreendente é que os partidos, todos, inclusive os chamados de extrema esquerda, muitas vezes são coniventes com a sua própria utilização para degradar a política. Na hora de tirar proveito, os partidos em geral tem sempre a tentação de pactuar com a grande mídia a sua condição de udenismo bossa nova. Ressalte-se, também, que nem todos os candidatos que vêm da mídia fizeram o seu prestígio atacando a política e os partidos. Muitos trabalharam na profissão que abraçaram de forma comum, até mesmo prestando serviços de interesses público à comunidade.
Qual o impacto que esse seu discurso crítico sobre a atuação das grandes empresas de mídia na política pode ter junto ao eleitorado?
Tarso Genro: Às vezes as pessoas me perguntam porque, como Governador, eu entro em debates como esse, pois isso pode me prejudicar com setores da classe média, que frequentemente formam as suas opiniões através desta grande mídia, ordinariamente sem maior profundidade. Por dois motivos, eu sempre digo: primeiro, porque prezo a liberdade de imprensa e porque sei que no interior - mesmo dentro das grandes empresas de comunicação – tem muitas pessoas respeitáveis politicamente, que prezam os valores democráticos; segundo, porque hoje estamos lidando com uma luta mais complexa do que simplesmente lutar pela democracia. É uma luta contra a degradação da República e da democracia, ambas torturadas pelo fato dos Estados de Direito se tornarem reféns do capital financeiro especulativo. E esta situação estimula um novo tipo de golpismo, que é o de corroer a viabilidade da democracia como momento importante para construir novos patamares de igualdade e solidariedade social.
http://www.sul21.com.br/jornal/tarso-genro-anti-politica-da-midia-gera-graves-desigualdades-eleitorais/
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