Aos 50 anos do golpe de 1964, RS pode eleger herdeiros da Arena?
No ano em que se completam os 50 anos do golpe civil militar de 1964 que depôs o governo constitucional de João Goulart no Brasil, uma pesquisa do Ibope, encomendada pelo Grupo RBS, coloca a pré-candidata do PP, partido herdeiro da Arena, principal sustentáculo político da ditadura, na liderança da corrida ao Piratini. A senadora Ana Amélia Lemos (PP) aparece com 38% das intenções de voto, sendo seguida pelo governador Tarso Genro (PT), com 31%. Bem mais atrás, aparece o pré-candidato do PMDB, José Ivo Sartori, com 5% das intenções de voto, e Vieira da Cunha (PDT), com 1%.
A campanha eleitoral ainda nem começou, é verdade, e muita água correrá por baixo dessa ponte, mas é significativo que o Estado que liderou, sob o comando de Leonel Brizola, na Campanha da Legalidade, a resistência ao processo golpista que já era forte em 1961, apareça agora disposto a eleger uma representante do PP para dirigir o governo. Não seria a primeira vez que a direita governaria o Rio Grande do Sul. Já fez isso com a Arena e o PDS.
A julgar pelos números do Ibope, a senadora do PP estaria na frente do PDT, partido que é herdeiro dos trabalhistas afastados do poder pelos golpistas em 1964, do PMDB, sucedâneo do MDB, único partido de oposição permitido pela ditadura, e do PT, principal novidade política no quadro partidário brasileiro pós-ditadura. Isso significa o que exatamente do ponto de vista político? Que uma parte significativa da população do Rio Grande do Sul não tem memória? Que ela tem simpatias pela história golpista e autoritária da Arena? Que não relaciona os atuais representantes do PP com o que ocorreu no Brasil em 1964 e nos anos seguintes? Ou, simplesmente, que o passado não importa e o que vale é a “competência individual” dos candidatos ou candidatas?
Quem procurar alguma referência sobre os 50 anos do golpe de 1964 nos sites do PP ou no da senadora Ana Amélia Lemos terá dificuldade de encontrar. O silêncio parece ter sido a regra escolhida pelos dirigentes do PP para (não) tratar do assunto. A página da senadora gaúcha na internet traz uma referência às ameaças à democracia…na Venezuela. Sobre os 50 anos do golpe de 1964 e as responsabilidades políticas envolvidas no episódio reina o silêncio. A página do PP no Rio Grande do Sul traz, por sua vez, uma breve referência à “Revolução de 1964” ao falar das origens históricas do partido. Para falar dessas origens, o site conta a história de um “bambu gigante” chinês:
“Na China, há um bambu gigante. Semeado, leva mais de 5 anos para brotar. Durante esse longo período, desenvolve extensas e robustas raízes. Ao brotar, seu crescimento é rápido e atinge grande altura e diâmetro. Resiste, soberano, intacto e retilíneo à severidade invulgar do clima das fraldas do Himalaia. Pode sofrer danos, mas rapidamente se recompõe graças à seiva abundante de suas raízes excepcionais”.
As origens do PP remontariam à República Velha e ao liberal Gaspar Silveira Martins. O histórico do PP, ao longo do século XX, é contado em 25 linhas, passando pelos períodos de 1930-1932 e 1945-1964. Quando chega o período da ditadura a explicação é lacônica:
“Ildo Meneghetti (ADP), eleito em 62, era o governador, quando eclodiu a Revolução de 1964. Após 1964, novamente extintos os partidos, cria-se o bipartidarismo: a Arena apoiando o governo e o MDB unindo as oposições. Sucederam-se, durante esse período, como governadores: Walter Peracchi Barcellos, Euclides Triches, Sinval Guazzelli e Amaral de Souza. A Arena foi sempre majoritária nas eleições proporcionais”.
Até a tarde desta segunda-feira, essa era a única referência a 1964 no site. É visível a tentativa de o PP e sua pré-candidata se desvincularem desse passado. Ana Amélia Lemos credita a posição na pesquisa Ibope “a uma avaliação positiva dos gaúchos em relação ao meu trabalho no Senado”. Ela não chega a comentar se a grande visibilidade midiática que acumulou ao longo das últimas décadas em seu trabalho de comentarista da RBS e de colunista no jornal Zero Hora contribui de algum modo para essa posição. O que pode ajudar a estratégia de silêncio e desvinculação histórica do PP é o fato de o partido ter integrado a base de apoio do governo federal e estar coligado com o PT em cidades importantes como Canoas. O pragmatismo das alianças pode ajudar a diluir diferenças e compromissos históricos.
A polarização indicada pela pesquisa Ibope, que apareceu também em algumas pesquisas realizadas no ano passado, exigirão do PMDB e do PDT uma politização do debate eleitoral diferenciada em relação às últimas eleições no Rio Grande do Sul. Como dificilmente Tarso Genro baixará do mais ou menos histórico um terço de preferência do eleitorado que o PT tem no Estado, peemedebistas e trabalhistas terão que disputar com a candidata do PP uma possível ida ao segundo turno. E dificilmente conseguirão fazer isso sem contextualizar historicamente o papel dos partidos na história política recente do Estado. Isso já foi ensaiado em atos das pré-candidaturas do PMDB e PDT, quando nomes como Lasier Martins, Vieira da Cunha e Pedro Simon lembraram as ligações políticas de Ana Amélia Lemos com o partido que deu sustentáculo à ditadura. Simon, depois, voltou atrás e pediu desculpas à senadora, mas a lembrança deverá estar presente em toda a campanha eleitoral.
Resta saber se a maioria da população do Rio Grande do Sul, neste momento em que a sociedade aumenta a sua mobilização para trazer à luz os crimes cometidos durante a ditadura, resgatar os mortos que ainda estão desaparecidos e levar à Justiça os responsáveis por torturas e assassinatos, levará a história em conta na hora de decidir seu voto.
http://www.sul21.com.br/jornal/aos-50-anos-do-golpe-de-1964-rs-pode-eleger-herdeiros-da-arena/
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