Patrick Mariano: Valor da multa a Genoino extrapola os parâmetros legais
publicado em 16 de janeiro de 2014 às 0:25
Doações atingiram nesta quarta-feira, 15, R$ 399.762,94. Ou seja, quase 60% dos R$ 667,5 mil estipulados pela Justiça
por Conceição Lemes
Na nota Campanha para Genoino já arrecadou R$295 mil, 44% da multa, o leitor Luís Carlos, nos comentários, questionou: “Sendo o único imóvel dele e que é usado para moradia realmente, poderia ser tirado da família para pagar essa multa?” A dúvida de Elza, também nos comentários, era outra: “Pra onde vai o dinheiro dessas multas?”
Nesta quarta-feira, 15, conversamos sobre essas e outras questões referentes à multa com o advogado Patrick Mariano, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap.
Antes da nossa entrevista, uma boa notícia. A campanha de doações para José Genoino pagar a multa da Ação Penal 470 atingiu nesta quarta-feira, 15, R$ 399.762,94. Ou seja, quase 60% dos R$ 667,5 mil estipulados pela Justiça.
Viomundo — O Genoino tem um único imóvel, que onde ele e a família realmente moram. A União poderá cobrar a dívida judicialmente, inclusive confiscando o sobrado da família, no bairro do Butantã, em São Paulo?
Patrick Mariano — Não. A Lei 8.009/90 prevê que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”.
Viomundo — O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é nesse sentido?
Patrick Mariano – Tanto no STF quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento é o que está lei Lei 8.009/90. É essa Lei que protege o bem de família.
Viomundo — E se o apenado tiver mais de um imóvel ou outros bens, o que determina alei?
Patrick Mariano – Se possuir mais de um imóvel, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, caso, no Registro de Imóveis, não exista a escolha para este fim de outro bem.
Viomundo — O que acontece se o condenado não pagar a multa? Tem interferência na pena ou na progressão do regime?
Patrick Mariano – Uma vez transitada em julgado a ação, ou seja, não couber mais nenhum recurso, o fato do condenado não conseguir pagar a multa não terá efeito algum na sua pena.
A Lei 9.260/96 alterou a redação do Código Penal e proibiu a conversão da pena de multa em detenção. O inadimplemento da pena de multa permite apenas que ela seja considerada dívida de valor, tornando-se dívida ativa da Fazenda Pública.
Viomundo — O juiz deu prazo até dia 20 para Genoino pagar a multa. É sempre tão exíguo o prazo?
Patrick Mariano – Com relação ao prazo parece que não há ilegalidade, pois o artigo 50 do Código Penal, fala em 10 dias a contar do trânsito em julgado.
Viomundo — O que é feito com o dinheiro da multa?
Patrick Mariano – A arrecadação vai para o Fundo Penitenciário Nacional (ao Funpen). Entre outros fins, deve deve ser destinado à construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais; manutenção dos serviços penitenciários; e formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário.
Viomundo — Tem-se ideia de quanto se apurou no ano passado com esse tipo de multa?
Patrick Mariano — Dados do Funpen, divulgados em 2012, falam em torno de R$ 3 bilhões, desde a sua fundação, em 1994.
Viomundo — Que critérios devem ser levados em consideração para fixação do valor da multa? Houve exagero neste ponto no caso de Genoino?
Patrick Mariano – O artigo 60 do Código Penal é bem claro: na fixação da pena de multa, o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.
Além disso, o artigo 50, também do Código Penal, diz que a pena de multa não deve incidir sobre os recursos indispensáveis para o sustento do condenado e sua família.
É de conhecimento de todos que José Genoino não é um homem de posses. Ao contrário, reside na mesma casa há muitos anos. Nunca acumulou patrimônio, vivendo do seu salário. Pelo que li, o valor da multa imposto extrapolou — e muito! — os parâmetros legais. Infelizmente, estamos diante de mais uma ilegalidade cometida.
Não é só isso. Está no artigo 5º, parágrafo XLV, da Constituição brasileira de 1988: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.
Ou seja, no caso de Genoino, não bastam a prisão e o degredo, já que foi impedido de cumprir a pena próximo a sua família. A sanha punitiva e o ódio de classe exposto na sentença foram além ao impor sofrimento não só ao condenado, mas também à toda sua família que não tem como pagar valores tão exorbitantes.
Desta forma, o drama de ter um familiar preso se soma ao desespero da família em não ter como pagar a dívida. O que justificaria tamanha tentação punitiva? Só se viu isso nos Tribunais da Inquisição, de triste e trágica lembrança.
Leia também:
“A decisão de não transferir Genoino é ilegal, arbitrária e desumana”
http://www.viomundo.com.br/entrevistas/patrick-mariano-3.html
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