Stedile: Mídia e judiciário agora reprimem no campo
publicado em 18 de dezembro de 2012 às 12:45
"AGORA QUEM DOMINA O CAMPO É O CAPITAL MODERNO, ESTRANGEIRO, AS CORPORAÇÕES, OS BANCOS. AS FORMAS DE REPRESSÃO MUDARAM. AGORA ELES REPRIMEM PELA IMPRENSA E PELO PODER JUDICIÁRIO."
do Jornal dos Economistas, via Sec Geral do MST
João Pedro Stedile é fundador e um dos principais integrantes da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Formou-se em Economia pela PuC-RS e tem pós-graduação pela universidade Nacional Autônoma do México (uNAM). Na década de 1970, militou ativamente na Comissão Pastoral da Terra até a fundação do MST, em 1979, em plena ditadura militar. Na entrevista, Stedile critica o agronegócio, explica o modelo agrário que o MST propõe para o país e denuncia a criminalização do movimento dos sem terra pela mídia.
P: Os defensores do agronegócio brasileiro exaltam a produtividade do setor e o impacto positivo na balança comercial e nos preços internos de alimentos. Como você avalia o modelo agrário predominante no Brasil e que consequência ele acarreta para a sociedade brasileira?
R: O agronegócio é o modelo de produção agrícola dominado pela atual fase do capitalismo internacional.
Ou seja, é a forma do capital financeiro e das empresas transnacionais dominarem nossos recursos naturais, a terra, a água, as sementes, e imporem a produção apenas das mercadorias agrícolas que interessam ao mercado mundial.
Hoje, 85% da produção agrícola brasileira é dominada por 20 mil fazendeiros e 50 empresas. E 80% de todas as terras e recursos naturais se dedicam a produzir apenas soja, milho, cana e gado bovino. Na prática, é a plantation moderna, é a recolonização de nossa economia agrária pelos interesses estrangeiros.
Dá lucro para alguns, mas é uma afronta aos interesses nacionais e é um desperdício para a sociedade, que perde a utilização de todo nosso potencial econômico agrícola que poderia ser utilizado para resolver nossos problemas sociais. Por isso, a sociedade brasileira continua cada vez mais desigual e injusta.
P: Alguns economistas e outros pensadores dizem que o momento da reforma agrária no país era nos anos 1960 e, portanto, já teria passado. Por que o Brasil deve fazer um reforma agrária? Que benefícios essa reforma traria para a sociedade brasileira como um todo?
R: A reforma agrária proposta na década de 60 era a reforma agrária clássica, o que significa distribuir terras para formar uma base social de campesinato vinculado e subordinado ao capitalismo industrial. Como a atual fase do capitalismo não é mais industrial, perdeu-se a necessidade do capital e de sua classe de fazerem a reforma agrária, como aconteceu na maioria dos países do hemisfério norte.
Na prática, naquela época, houve uma aliança da burguesia industrial com o campesinato contra a oligarquia rural, para desenvolver o mercado interno industrial. Essa era a proposta do Celso Furtado aqui no Brasil na década de 60. Fomos derrotados. E aquele tipo de reforma agrária perdeu o sentido não porque os camponeses não precisam mais de terra, mas porque a classe dominante agora tem outros interesses e o centro de acumulação de capital está no capital financeiro e nas corporações internacionais, que acumulam e ganham dinheiro controlando o mercado mundial e especulando com o oligopólio dos preços das mercadorias agrícolas.
P: Que modelo agrário o MST propõe para o Brasil? O grande negócio pode conviver com a pequena propriedade ou deve desaparecer?
R: Nós, do MST e da Via Campesina Mundial, defendemos outro modelo de produção agrícola, que em alguns lugares é chamado de via campesina, agricultura familiar, e nós do MST chamamos de reforma agrária popular. Isso significa que você precisa reorganizar não só a propriedade da terra, democratizando-a, mas também reorganizar a produção agrícola, priorizando a produção de alimentos, e não apenas de commodities.
Priorizando a produção de alimentos sadios e, portanto, adotando uma matriz tecnológica baseada na agroecologia, sem uso de agrotóxicos e respeitando o equilíbrio com o meio ambiente. Democratizando a instalação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, e democratizando também a educação no meio rural, além de defender os hábitos alimentares adequados ao bioma e ao meio ambiente em que as populações vivem.
P: É correta a percepção de que a discussão da reforma agrária saiu da pauta nacional? Como você avalia o apoio da opinião pública à reforma agrária?
R: Claro que saiu da pauta nacional. Porque a burguesia subordinada aos interesses do capital estrangeiro e financeiro, que controla os meios de comunicação social do país, não tem interesse em divulgar a luta dos camponeses. A luta por um novo modelo. Porque agora a luta pela reforma agrária não é apenas uma luta contra a oligarquia rural.
É uma luta de classe contra o capital estrangeiro, suas empresas internacionais e contra o capital financeiro. Então eles escondem essa luta para não evidenciá-la ou potencializá-la. Não existe opinião pública como posição de classe, o que existe no Brasil, como diz meu amigo Fernando Morais, é a opinião "publicada". E a opinião publicada neste momento é a posição hegemônica das classes dominantes brasileiras.
P: Nos governos Lula e Dilma, houve avanços na concessão de benefícios e melhorias para os pequenos agricultores engajados com o MST e outras organizações que lutam pela reforma agrária? Essas benesses contribuíram para o arrefecimento da militância pela causa?
R: Os governos Lula e Dilma são governos de composição de classe. Não são governos de esquerda ou populares, como eles mesmos reconhecem. Ou seja, são governos que expressam uma frente política de classes. E que se sustentam majoritariamente com amplo apoio da população, porque dentro deles estão representadas todas as classes.
Diante dessa natureza, as políticas públicas se concentram sempre em dar concessões a esses ou aqueles interesses de classe. Sem, no entanto, representar derrotas para as classes. Então, o governo aplicou políticas públicas que favorecem o agronegócio, o etanol e as corporações internacionais, mas também tem políticas públicas que interessam ao campesinato pobre, aos agricultores familiares etc. Eu destacaria que as principais políticas públicas que interessaram nesse momento aos pequenos agricultores foram o fortalecimento da Conab e, para as compras de alimentos, a determinação de que 30% da merenda escolar seja de origem da agricultura familiar.
P: Na prática, e tendo em vista as correlações políticas concretas, o que o governo federal poderia fazer hoje em prol da causa do MST?
R: O MST não foi beneficiado por nenhuma política do governo Lula e Dilma, porque a nossa demanda de uma reforma agrária popular exige mudanças estruturais, que esse tipo de governo de composição não tem condições políticas de realizar. Precisamos ter claro que nossas bandeiras somente se realizarão quando houver uma nova correlação de forças na sociedade, determinada pela reascensão do movimento de massas e, sobretudo, por uma nova postura da classe trabalhadora urbana como um todo.
A reforma agrária e as mudanças que defendemos para a agricultura brasileira dependem de um projeto popular de país, que somente uma grande aliança da classe trabalhadora urbana pode viabilizar. Portanto, a reforma agrária popular hoje depende fundamentalmente de toda classe trabalhadora e não apenas das lutas específicas do MST. Por isso que, por mais que lutemos, como MST, ainda é insuficiente. Porque agora dependemos da força de toda classe para enfrentar a enorme força do capital estrangeiro e dos fazendeiros a ele vinculados.
P: A violência no campo aumentou ou diminuiu nos últimos anos? A pistolagem dos latifundiários continua a agir livremente ou é reprimida pelas polícias?
R: A violência física de torturas e assassinatos diminuiu. Isso é decorrência não de um movimento de maior democratização da sociedade. É que mudou a classe dominante no campo. Quem praticava a violência física para impor sua vontade política era o latifúndio atrasado.
Agora quem domina o campo é o capital moderno, estrangeiro, as corporações, os bancos. Portanto, agora as formas de repressão mudaram. Agora eles reprimem pela imprensa e pelo poder judiciário, criminalizando toda luta social, fazendo campanha permanente de que os lutadores sociais são atrasados etc.
P: Do ponto de vista ecológico, por que a pequena propriedade é melhor do que o latifúndio?
R: O agronegócio é destruidor do meio ambiente. Ele só consegue produzir na base da monocultura e a monocultura é a destruição da biodiversidade da natureza, e isso é o que provoca desequilíbrio do meio ambiente e alterações climáticas. Pois eles querem apenas soja, milho, pasto. E todas as demais formas de vida são destruídas. Usam de forma intensiva os venenos, que matam.
Matam os seres vivos e matam as pessoas. A única forma de produzir alimentos de forma saudável é pela agroecologia, que usa novas técnicas e muita mão de obra. E isso o agronegócio não tem e não quer. Por isso, no futuro, toda a agricultura moderna será feita com base em agroecologia e com pequenos agricultores. Podem anotar.
P: A mídia atribui ao MST práticas de ação violentas. Como você responde a essas acusações?
R: Foi o que respondi antes. A mídia hoje é o tribunal inquisitório moderno. Eles julgam e condenam, sem direito a defesa, todos os que lutam na sociedade brasileira. Por isso, qualquer luta social será estigmatizada por eles como violenta, terrorista etc. É o papel deles. Mas, no futuro, algum dia a sociedade brasileira terá uma imprensa controlada por mecanismos democráticos, e não apenas como fonte de lucro e manipulação ideológica.
No caso da mídia brasileira, ela é hoje também o principal partido ideológico da direita e da classe dominante. Uma pena que os partidos de esquerda não se deram conta, ainda, de que esse é o principal inimigo ideológico de classe. Vejam as dificuldades que temos de seguir construindo meios de comunicação populares. Infelizmente, a esquerda e suas organizações não dão o peso necessário e seguem iludidas assinando os jornais, revistas e assistindo à televisão deles.
P: Como você avalia as experiências da reforma agrária na América Latina? Que países apresentam os melhores modelos agrários e quais são os piores?
R: Toda a América Latina, com exceção de Cuba, está enfrentando o mesmo problema que estamos enfrentando no Brasil. A luta política, econômica e ideológica contra o agronegócio. E lutando para tentar construir um modelo alternativo. Mesmo onde temos governos mais de esquerda, eles ainda não conseguiram derrotar o poder do capital no campo, para poder construir um novo modelo de agricultura.
Estamos em plena luta de classes no campo, em todo continente. A nossa sorte é que a natureza e a saúde pública estão do nosso lado. Pois o modelo do capital altera o clima, destrói a natureza, a biodiversidade e gera câncer e outras enfermidades com seus alimentos contaminados. E isso vai provocar um nível de consciência maior da sociedade urbana, em defesa de um novo modelo de agricultura.
P: Quais são as perspectivas do MST para os próximos anos?
R: Estamos em plena preparação de nosso congresso nacional que se realizará em 2013. Estamos fazendo um amplo balanço em nossas bases. Mas, como disse antes, as perspectivas do MST não dependem mais dele, mas de como se comportará a classe trabalhadora brasileira. E por isso precisamos que num próximo período histórico haja uma mobilização do movimento de massa, um novo ciclo de debates da necessidade de um projeto nacional, mas agora defendido pelas classes populares, para podermos juntos enfrentar os inimigos comuns, que hoje são o capital financeiro, as corporações transnacionais e os grandes grupos capitalistas brasileiros a eles subordinados. E tenho certeza de que, em algum momento do futuro da nossa história, criaremos essas condições de enfrentamento e de vitória do povo brasileiro.
http://www.viomundo.com.br/falatorio/stedile-midia-e-judiciario-agora-reprimem-no-campo.html
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