Desigualdade social e pobreza no Rio Grande do Sul: desafios para o Governo do Estado e o Conselhão
Nov 7th, 2011
No dia 1º deste novembro, a Câmara Temática das economias do campo do CDES, com o apoio da Fundação de Economia e Estatística (FEE), promoveu um debate, aberto ao público da Feira do Livro, sobre a desigualdade social e a pobreza no Rio Grande do Sul. Os dados estatísticos sobre o problema, que a Doutora Clitia Helena Martins e o Doutor Marcos Wink, pesquisadores da FEE, exibiram e criticaram, visando ouvir manifestações do auditório, são reveladores de uma realidade social extremamente grave, desafiando providências inadiáveis, tanto por parte do governo deste Estado e do Conselhão, quanto por parte da sociedade civil que aqui vive .
Por mais que se discuta a adequação, ou não, dos índices reconhecidos internacionalmente como de extrema pobreza (pessoa que ganha menos de US1,25 diários de renda ou menos de R$ 70,00 mensais na nossa moeda, dependendo da cotação do dia) e da pobreza relativa para a pessoa que ganha um pouco menos do que o dobro disso, o impacto dessa realidade, presente em alguns municípios do Estado, provocou várias manifestações das/os presentes, algumas relacionadas com as causas dessa inaceitável injustiça social e outras propondo, inclusive, possíveis soluções.
Em Redentora, Lajeado do Bugre e Benjamin Constant, por exemplo, 29,7%, 29,1% e 19,9% das populações locais, respectivamente, sofrem de pobreza extrema, existindo outros sete (São Valério Do Sul, Jacuizinho, Vicente Dutra, Engenho Velho, Derrubadas, Santana da Boa Vista, Jaboticaba) que, embora em percentuais pouco inferiores, enfrentam a mesma penúria, conforme o censo de 2010. Até Porto Alegre deve-se envergonhar, pois tem 3,1% do seu povo aí enquadrado.
Entre outras variáveis de uma cadeia sucessiva de carências humanas interdependentes, sofridas por gaúchas/os de diferentes regiões cada uma provocando outra, Dra. Clitia e Dr. Marcos destacaram as diferenças existentes entre as pessoas, conforme a idade, o sexo, a etnia, a cultura, capazes de influenciar a mensuração do grau de pobreza e de miséria do povo. Sabendo-se que, nessas situações, as pessoas não dispõem de água potável, a desnutrição é crônica, estão sujeitas às epidemias e as doenças mentais e psicológicas, há uma baixa expectativa de vida, são muito vulneráveis às catástrofes e mudanças climáticas e, no Estado todo, elas ainda alcançam um percentual de 2,87% da população total (mais de 306.000 gaúchas/os), não há necessidade de se insistir no quanto as providências públicas e privadas destinadas a erradicar, de vez, um mal de tais consequências, são improrrogáveis.
Como ocorre geralmente em discussões sobre pobreza, o fato de considerarem-se circunstâncias de tempo e lugar onde se encontra o povo pobre, se na cidade ou no campo, a existência, ou não, de infraestrutura básica a cargo do Poder Público, como saneamento básico, estradas para permitir transporte também à produção das/os pequenas/os proprietárias/os rurais, a facilitação do acesso desse povo à escola, aos postos de saúde e hospitais, ao crédito, à assistência social, entre outras coisas, apareceram novamente nesse debate. Quando não consideradas, ignoradas por indiferença ou descaso, não enfrentadas em suas causas, escondidos os seus efeitos, são fatores de criação e reprodução do círculo vicioso da pobreza, capazes de realimentar a desigualdade social que a caracteriza.
O que já tinha sido referido como pouco adequado pela Dra. Clitia e o Dr. Marcos – o costume de se medir a pobreza com base exclusiva na renda das pessoas – mereceu apartes demonstrativos de que esse índice é insuficiente para um diagnóstico mais acurado dessa injustiça social. Sem descartar-se, é claro, a relevância de um dado como esse, o debate mostrou preocupação bem mais abrangente sobre o problema. Detalhes dependentes de intervenção pública, inclusive com a participação do povo vítima dessa injustiça, apareceram em algumas opiniões que refletem confiança numa economia capaz de ser traduzida como solidária, fundada em valores humanos não traduzidos apenas em dinheiro.
Nesse rumo, o atual presidente da Emater, Lino de Davi, chamou a atenção para a questão relacionada com a própria finalidade do debate promovido pelo CDES: Qual é, efetivamente, o modelo de desenvolvimento econômico e social que queremos para o Rio Grande do Sul? Embora de modo não explícito, pelas limitações próprias do tempo destinado a palavra de cada um, ficou patente a conclusão de que ele põe em séria dúvida o modelo atual, na forma como esse trata a sua gente e a sua terra, particularmente em tudo o que se refere ao acesso daquela à essa. Impossível deixar-se de perceber, aí, como a responsabilidade da administração pública (reforma agrária por exemplo) envolve um universo de questões que comprometem União, Estados e Municípios.
Explorar a terra, a água e o ar como o atual modelo o faz – agora em pleno risco de se transformar em lei pela nova redação projetada ao Código Florestal – o tratamento que ele dá ao solo, inclusive sob o peso indiscriminado dos agrotóxicos aqui empregados, toda a atividade predatória do meio ambiente “justificada” pela rentabilidade econômica, implica perguntar aos investimentos projetados sobre bens dessa relevância se isso não vai piorar ainda mais a biodiversidade natural indispensável à vida do povo e do planeta. Se forem colocados ao lado do efeito perverso de concentrar dinheiro em poucas mãos, é certo que vão prosseguir gerando pobreza, miséria e infelicidade igual ao contingente de pessoas que integram os percentuais de Redentora, e outros municípios do Estado.
É certo que a cesta básica, os programa RS mais igual, e Brasil sem miséria estão procurando diminuir o sofrimento dessa multidão e merecem todo o apoio, mas quando se pensa no tamanho e na complexidade do problema, parece certa a diretriz tendente a não enfrentá-lo apenas com políticas compensatórias, mas sim com a disposição de tratar a/o pobre e a/o miserável de acordo com o que elas/es são realmente – pessoas que estão ou ameaçadas ou já vítimas de um direito violado. O “Minha casa minha vida”, mesmo sob as restrições que muitos técnicos lhe opõem (repetição do BNH?) parece pretender atacar o déficit habitacional sob essa concepção – por si só, esse deficit infringe o direito humano fundamental de morar.
Prevenir-se contra uma ameaça, reparar uma injustiça histórica como essa são obrigações de quem titula poder democrático para isso, devendo cumpri-las com o cuidado, a rapidez e a eficiência com que se cura uma doença capaz de levar o paciente à morte, perigo iminente que ronda todas as pessoas mutiladas em sua dignidade pela pobreza e pela miséria.
Então, até as apregoadas vantagens do agronegócio, muito presentes nas discussões da Câmara Temática das Economias do Campo, precisam ser interpeladas por seus efeitos sociais, pois, dependendo da origem do seu capital e da sua aplicação, o agronegócio pode criar exclusão, como denunciou oportunamente a professora Christiane S. S. Campos (“Pobreza e exclusão nos territórios do agronegócio”, disponível na internet nos “Debates FEE”): “… simplificar o agronegócio como sinônimo de negócios com produtos agropecuários é desconsiderar seu viés elitista, sua dimensão político-ideológica, o modelo de política econômica em que se insere, sua complexa articulação interna e com outros setores da economia e sua capacidade de expansão espacial por meio da construção de territórios, nos quais têm o poder de, entre outras coisas, incluir ou inviabilizar a agropecuária e agroindústria alicerçada no uso da força do trabalho familiar.”
Por tudo isso, foi possível concluir-se, no contexto de alguns pronunciamentos dos participantes deste evento, o entendimento de que o problema da pobreza no Rio Grande do Sul pode mudar as prioridades até aqui presentes nas discussões do Conselhão bem como influir decisivamente nas políticas públicas urgentes que pretendam socorrê-la.
Assim, deixa-se aqui uma sugestão à Câmara Temática das Economias do Campo do CDES como, talvez, um dos efeitos do encontro realizado no dia 1º deste mês. Se “todo o ponto de vista é a vista de um ponto” e existe um “lugar social” onde este ponto pode ser localizado, conviria uma visita desta Câmara ao ponto do Estado onde mais visível se encontra a pobreza, suas causas e seus efeitos: o município de Redentora. Lá se conferiria, materialmente, à vista dos problemas locais, com audiência direta da população pobre, em que medida pode a Câmara colaborar com as políticas públicas do Estado e as iniciativas da sociedade civil em favor da erradicação da pobreza e da miséria. Se o governador e, ou, algum/a integrante do seu secretariado quiser nos acompanhar, melhor. Com uma denominação como essa Redentora não pode continuar precisando de redenção.
(*) Procurador do Estado aposentado, mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.
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