por José Antonio Somensi (Zeca)
Primeiro assunto. Em função do centenário de nascimento de dom Helder Câmara tive a oportunidade de ler o livro "Dom Hélder Câmara um modelo de esperança" de Martinho Condini que descreve um pouco de sua trajetória. Sua participação nos bastidores do Vaticano II, a criação da CNBB, sua presença nos momentos marcantes da participação da Igreja durante o regime militar, sua ação junto aos pobres do Brasil. Chamou-me a atenção o relato de um fato que aconteceu e que significou a mudança virada religiosa, segundo o autor, de pensamento e de agir de Dom Hélder. Vivendo no Rio de Janeiro em 1955, na época capital do Brasil, foi designado como um dos principais coordenadores do Congresso Eucarístico Internacional. O Congresso foi um sucesso com toda a pompa, paramentos e ritos litúrgicos da ocasião reunindo muita gente. Finalizado o evento o cardeal francês, Gerlier, parabenizou dom Hélder pela organização e fez uma observação: porque você não utiliza toda esta sua capacidade e faz algo por essas pessoas que moram nestas favelas que cercavam os arredores do Aterro da Glória local onde aconteceu o Congresso Eucarístico. Diz o autor do livro que dom Hélder a partir deste olhar diferente do cardeal francês comprometeu-se a viver a partir daquele dia com e pelos pobres, o que de fato aconteceu ao longo de toda a sua vida a ponto de ser conhecido como o bispo dos sem voz e sem vez.
Tal como dom Hélder à época, nós também costumamos ficar presos em nossos ritos, gostamos de conviver com quem pensa como nós, fala das mesmas questões, gosta das mesmas coisas e dificilmente por vontade própria abrimos para os 'outros' que possam nos mostrar outros caminhos e nos apontar uma possível correção de rota, um olhar diferente. Gostamos de ler artigos, visitar blogs de gente que pensa como a gente e não raramente aceitamos o fato de que nós também precisamos às vezes de alguém que não está convivendo conosco para nos chamar a atenção, de alguém que pensa diferente, que tem um 'outro saber'.
Vivemos numa sociedade cada vez mais marcada pela diferença entre as pessoas, de conhecimento, de costumes até então escondidos de nossa realidade, seitas, civilizações ditas estranhas aos nossos olhos, religiões para todos os gostos e necessidades, oriente e ocidente misturando-se nas esquinas nos obrigando a incorporar valores de uma forma democrática, livre, participativa sem que isso signifique um aceitar sem questionamentos algumas 'bobagens modernas'.
Num mundo que faz das pessoas meros competidores, quase inimigos, aceitar ouvir opiniões divergentes, discordantes é um grande desafio, quem sabe capaz de reconhecer que somos pessoas em condições de assumir propostas maiores, causas maiores por menores que sejam os gestos. Não estou aqui pregando a convivência harmoniosa e doce dos contos, das fábulas e podem dizer que isto mesmo não sendo doce é utopia, mas lembro Leonardo Boff que afirma profeticamente que "uma sociedade não vive sem utopias, isto é, sem um sonho de dignidade, de respeito à vida e de convivência pacífica entre as pessoas e povos. Se não temos utopias nos perdemos nos interesses individuais e grupais e perdemos o sentido do bem viver em comum".
Segundo assunto. Quero tornar público o que já fiz em privado que é referente à entrega do troféu "Mulher Cidadã" para a irmã Maria Brendali Costa - junto com as outras mulheres Gelci Sorgato, Justina Onzi, Dilce Abgail Pereira, Suely Rech, Fernanda Tomé e Maria Helena Gallina promovida pela Câmara de Vereadores de Caxias do Sul em maio passado. A irmã Brenda como todos a conhecem, de temperamento forte e profunda convicção de sua missão é plenamente merecedora deste troféu. Conheci-a durante a 2ª edição da Escola de Fé, Política e Trabalho numa atividade incessante de querer ver as coisas acontecendo sempre de forma correta, se preocupando com cada detalhe da escola. Depois fui me inteirando de outras atividades exercidas por ela, na coordenação Diocesana, na Cáritas, no trabalho com os recicladores e outras atividades ligadas as Pastorais Sociais sempre com o mesmo empenho, solidariedade, responsabilidade e dedicação a essa nossa Igreja que ainda não valoriza a mulher como devia e merece. Seu trabalho, sua fé de compromisso com a vida dos outros continue sendo estímulo para nós e que a Mãe Maria, exemplo de disponibilidade a Deus, não só aquele presente na ressurreição, mas na vida toda de Jesus Bom Pastor - continue a iluminá-la e encorajá-la.
Por fim acredito que esta premiação deve ser vista também como uma forma de valorizar a igualdade entre as pessoas, entre os sexos, crenças, ideologias, nacionalidades num momento onde sutilmente alimentam a xenofobia e preconceitos disfarçados de nacionalismo mundo afora.
José Antonio Somensi (Zeca)
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