A qualidade do serviço público depende de quem o presta (por Jacques Távora Alfonsin)
A burocracia da administração pública, os formalismos detalhistas ao extremo do chamado devido processo previsto em lei para um serviço público ser prestado de forma eficiente e pontual, são uma fonte permanente de aborrecimento e de reclamações por parte do povo carente de ver satisfeitas as necessidades próprias dos seus direitos humanos fundamentais sociais, como os de saúde, educação, segurança, alimentação e moradia, entre outros.
A qualidade do serviço público adequado para superar suas conhecidas deficiências, motivo de tanto mal estar e incômodo, não depende só dos recursos orçamentários previstos para a sua prestação. Sem uma consciência e uma disponibilidade muito atenta à necessidade alheia, o/a servidor/a responsável pela prestação do serviço, em vez de servir, continuará se servindo daquele formalismo todo para transformar a burocracia de meio em fim, descumprindo as obrigações o seu ofício.
Acomodada/o em exigir um pressuposto formal qualquer, o/a servidor/a público/a quando não manda a/o demandante do serviço para outra/o colega ou "repartição" (!), fazendo dele um migrante de guichês, protocolos e gavetas, prorroga ou transfere para a/o usuária/o o incômodo do trabalho que teria de realizar, se preocupando e "envolvendo" com a solução do problema, naquilo em que poderia e deveria agir. O Poder Judiciário é mestre nisso, respeitadas, evidentemente, as boas e louváveis exceções.
Buscando corrigir um problema que há muito deveria ter sido enfrentado prioritariamente pela administração pública, responsável por prorrogações inaceitáveis em dar resposta e atender demandas populares sobre direitos dependentes dos serviços públicos, foi promulgada a lei 13.460, em 26 de junho passado.
Pretendendo levar a prestação de serviços dos três Poderes Públicos, a um nível de eficiência da sua insubstituível função, a lei prevê detalhes relativos à conduta das/os servidoras/es públicas/os, com potencialidade de chegar à excelência, como se pode ver em algumas das suas disposições sobre deveres próprios dessas funções, correspondendo a direitos de usuárias/os:
Artigo 5º. O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
I – urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários; {…} III – atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo; IV – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação; V – igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação; {…} X – manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento; XI – eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido; XII – observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes públicos; XIII – aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações; XIV – utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e XV – vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.
Art. 6º. São direitos básicos do usuário:
I – participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços; II – obtenção e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação; III – acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados, observado o disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição Federal e na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011; IV – proteção de suas informações pessoais, nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011; V – atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; e VI – obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na internet, especialmente sobre: a) horário de funcionamento das unidades administrativas; b) serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua localização exata e a indicação do setor responsável pelo atendimento ao público; c) acesso ao agente público ou ao órgão encarregado de receber manifestações; d) situação da tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado; e) valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços, contendo informações para a compreensão exata da extensão do serviço prestado.
Se esta lei vier, efetivamente, a sair do papel e refletir-se na realidade sofrida das/os brasileiras/os com direito de ver atendidas as suas demandas por serviços públicos, tem-se esperança de que as/os servidoras/es responsáveis por dar resposta para elas, não usem do "argumento de autoridade" para se livrarem da "autoridade do argumento". Reconheçam em todas/os as/os brasileiras/os não pessoas credoras de um despacho ou de uma sentença, mas sim como pessoas com direito de ser ouvidas e atendidas com a atenção e o respeito devidos a quem tem necessidade inadiável de proteção e defesa de direitos. De direitos e não de favores dependentes de disposição ou de humor.
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Jacques Távora Alfonsin é Procurador do Estado aposentado, Mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.
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