Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

8.2.15

Onde está o Estado?

Os serviços públicos são ruins por causa da corrupção? 
O Brasil é o país com maior carga de impostos? 
Conheça alguns números e tire suas conclusões.




02/02/2015 - Copyleft

Onde está o Estado?

Os serviços públicos são ruins por causa da corrupção? O Brasil é o país com maior carga de impostos? conheça alguns números e tire suas conclusões.

Róber Iturriet Avila; Luís Felipe Gomes Larratea
Ken Teegardin / Flickr

Não raro há a veiculação da dissociação entre a arrecadação dos governos e o retorno de bens e serviços estatais. O intento, sistematicamente alardeado, é bem sucedido em formar a opinião pública. Não é difícil de compreender a indignação gerada na população, sobretudo frente ao desconhecimento dos parâmetros de carga tributária e da precária informação das benfeitorias do Estado. O obscurecimento e a naturalização das ações estatais permeiam o debate acerca da tributação. Os salários dos parlamentares e os casos de corrupção selam uma visão bem sedimentada, escamoteando as reais intenções da repetição de um mantra não verdadeiro, mas hegemônico. Essa miragem transpassa e gera propositalmente uma cegueira coletiva, que, além de inverídica, está carregada de ideologia e atende a interesses específicos.
 
O Brasil é um país que oferece um sistema de saúde universal, desde a constituição de 1988. O resultado disso pode ser observado nas taxas de mortalidade infantil e na ampliação da expectativa de vida desde então. Somos exemplo de vacinação e combate a doenças. Graças à ação do Estado a esquistossomose, a cólera e a leptospirose não são epidemias. O Estado está na luz dos postes, nas estradas, nos calçamentos, no transporte urbano, no transporte aéreo, no recolhimento do lixo, na destinação do esgoto, na escola pública (da pré-escola ao pós-doutorado), no policiamento, na defesa territorial. Essa é a parte mais visível. Mas há também Estado na forma de subsídios que garantem a energia elétrica, a produção de alimentos, o investimento em conhecimento, a aquisição de imóveis e o avanço técnico. Há Estado nas políticas de geração de emprego e de desenvolvimento econômico. Ele está também na seguridade social, ou seja, nas aposentadorias, nas pensões por morte, nos seguros de maternidade e de invalidez. O Estado permite a mediação e o julgamento dos conflitos, a reclusão de malfeitores, além da própria organização das regras que nos permitem viver de forma civilizada e não no caos e na guerra como foi marcada a história humana. Não há um dia sequer que qualquer cidadão não esbarre na ação do Estado e não se beneficie diversas vezes dela.
 
A carga tributária brasileira gira em torno de 36%. O PIB de 2014 deve fechar em, aproximadamente, R$ 5,155 trilhões. Isso significa que a renda per capita é de R$ 25.389,00. Nessa medida, cada brasileiro paga, em média, R$ 761,00 em impostos por mês para atender uma série de garantias legais e de reclamos sociais.  Embora seja possível aprimorar a eficiência e reduzir o desperdício, para quem sabe fazer conta, salta aos olhos o óbvio: é um recurso escasso para tudo o que exigimos dos governos.
 
Outro jargão de senso comum é que se não fosse a corrupção, os serviços públicos seriam melhores. De acordo com a FIESP, o País perde R$ 100 bilhões em corrupção. Ainda que esse dado não seja preciso e nem desprezível, representa apenas 1,9% do PIB. Faz falta, mas não resolve. Em linha semelhante, o discurso de senso comum alega que os impostos servem para pagar os salários dos parlamentares. Não cabe defender o patrimonialismo e a exuberância do congresso, de todo modo, o custo do parlamento brasileiro é de 0,19% do PIB. Já todos os funcionários dos 39 ministérios custam 1,2% do PIB.
 
As comparações corriqueiras com outros países também ignoram os dados. Na Noruega, por exemplo, a renda per capita é de US$ 100.818,00 e a carga tributária de 44%. Dessa maneira, cada cidadão contribui, em média, com R$ 8.800,00 mensais ao Estado. Ou seja, onze vezes mais do que o brasileiro. É lógico e racional que seus serviços públicos sejam onze vezes melhores do que os nossos.
 
Já nos Estados Unidos a carga tributária está em torno de 27%. Naquele país, entretanto, não há sistema de saúde pública, não há ensino superior gratuito e nem sistema de aposentadoria e pensões pelo Estado. O cidadão estadunidense que não possui seus serviços privados está à margem.
 
Um dos papéis do Estado é melhorar a distribuição e permitir melhores oportunidades a quem está na base da pirâmide social. Isso está ancorado na compreensão teórica de que o mercado não é plenamente eficaz em permitir oportunidades iguais a todos. Quanto se tem em conta que metade dos brasileiros recebe até R$ 1.095,00 mensais, logo se conclui que milhões de pessoas não teriam acesso algum à saúde e à educação não fosse o Estado. Ao se efetuar a conta de onde efetivamente é gasto, constata-se que 71% da arrecadação preenchem apenas três serviços: saúde, educação e previdência.
 
Cabe observar que a estrutura tributária brasileira está centrada no consumo e na folha de salários, juntas essas rubricas respondem por 76,26% da arrecadação. Já os impostos sobre propriedade perfazem 3,85% do total. Convém constatar também que há segmentos da sociedade brasileira que têm índices de desenvolvimento humano equivalentes ao norueguês e não precisam da saúde pública e da educação pública, muito embora usufruam dessas nas cirurgias de alta complexidade, nos transplantes, no ensino superior e nas bolsas de pós-graduação.
 
Enxugar o Estado pode ameaçar a sustentabilidade de serviços basilares à vida e à dignidade humana. Pode ameaçar o direito de quem não tem condições de pagar por tais serviços e necessita da intervenção estatal para sua subsistência. Esse tema abarca ainda a justiça social, cuja participação do Estado nos países que lideram os índices de desenvolvimento humano é equivalente à brasileira ou superior. Corrupção, parlamento e ministérios juntos representam 3,29% do PIB. Esse recurso seria suficiente para melhorar substancialmente os serviços públicos?
 
A retórica de que o cidadão paga impostos e não recebe serviços é astuciosa. Ela vitimiza quem deveria contribuir mais para o bem estar social, como ocorre nos países mais desenvolvidos.  Os dados são claros e mostram que a elite brasileira contribui menos em termos tributários do que seus congêneres na maioria dos países do mundo. Ainda assim, querem reduzir o Estado. Quem vai corrigir as distorções históricas de 388 anos de escravidão que viabilizou o enriquecimento da elite brasileira? Como as raízes patriarcais serão extirpadas? A quem interessa um Estado menor?
 
 
Róber Iturriet Avila - É Doutor em Economia, Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da Universidade do Vale do Rio do Sinos

Luís Felipe Gomes Larratea - Bacharel em Políticas Públicas e bolsista FAPERGS/FEE



Créditos da foto: Ken Teegardin / Flickr







Nenhum comentário:


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz