17/04/2009
Brasil, de Getúlio a Lula
O Brasil vive um momento diferenciado da sua história política.  Uma história que completará em 2010 suas oito décadas mais importantes. Desde  então, há elementos de continuidade e de ruptura, pelas imensas transformações  que o Brasil viveu desde então. Oito décadas em que o país mudou sua fisionomia  econômica, social, política e cultural, de forma profunda e irreversível. De  país rural se tornou pais urbano, de pais agrícola a país industrializado, de um  Estado restrito às elites a um Estado nacional.
Desde a maior das  rupturas  1930  algumas inflexões redirecionaram a história brasileira de  maneira significativa, até o presente, dentre as quais a ditadura militar  representou o marco divisório desde então. A Revolução de 30 introduziu o novo  período, fazendo com que a presidência passasse das mãos de um mandatário   Washington Luis, o último presidente paulista antes de FHC, ambos nascidos no  Rio, mas adotados pela elite paulista  que havia afirmado que "A questão social  é uma questão de polícia", para um  Getúlio  que fará com que o Estado assuma  responsabilidades sobre os direitos sociais e passe a interpelar aos  brasileiros, nos seus discursos, como "Trabalhadores do Brasil". O fundamental  foi a criação de um Estado nacional, sucedendo a um que era um consórcio das  elites econômicas e políticas regionais. Essa foi a maior ruptura progressista  da história brasileira. 
O Brasil começou a ter um Estado em que passaram  a se reconhecer proporções crescentes de brasileiros, mediante políticas  sociais, reconhecimento da sindicalização dos trabalhadores, um projeto nacional  e um discurso popular. Iniciava-se o período mais prolongado e mais profundo de  expansão da economia e de extensão dos direitos sociais que o país conheceu. As  8 décadas estiveram marcadas por algumas inflexões importantes, desde a que, em  1955, redefine o desenvolvimento, que deixa de ter um caráter expressamente  nacional  em que as empresas estatais tinham um papel chave  para o ingresso  maciço do capital estrangeiro, com a indústria automobilística passando a ser o  carro-chefe do desenvolvimento industrial, chegando a responder, de forma direta  ou indireta, por um quarto do PIB brasileiro.
Uma segunda inflexão se  dará com o golpe militar de 1964, esta substantiva não apenas no plano  econômico, mas também social, com a abertura econômica para os capitais  estrangeiros e o arrocho salarial, que são o santo "milagre econômico", e  político, com a ruptura da continuidade democrática e a imposição de uma  ditadura militar.
A redemocratização representou uma ruptura política  institucional, sem no entanto romper com as bases economias e sociais do poder  monopólico no Brasil. O poder dos bancos, da terra, da grande mídia privada, se  fortaleceram, ao invés de democratizar-se. Passamos a ter uma democracia  política sem alma social, sem alterar nosso recorde negativo de pais mais  desigual do continente mais desigual do mundo. Tanto assim que essa democracia  foi funcional ao modelo neoliberal  hoje tão execrado nacional e  internacionalmente, mas que com FHC ganhou total apoio das elites dominantes  brasileiros -, que acentuou a desigualdade social, concentrou ainda mais o poder  econômico e fragilizou a democracia reconquistada. FHC sentenciou a inflexão do  seu governo: "Viraremos a página do getulismo." 
Tinha consciência ele de  que sem destruir as sobrevivências do Estado nacional, regulador, indutor do  desenvolvimento, distribuidor de renda, o neoliberalismo, o reino do mercado, o  Estado mínimo, não conseguiriam se impor. Foi sua obra. Fracassou e abriu  caminho para o governo Lula, uma era hibrida, composta por continuidades e  rupturas, possível até que existisse base material para um amplo arco de  alianças que vai do capital financeiro aos pobres da cidade e o campo, que a  crise atual coloca em questão.
Decifrar o enigma Lula é condição de não  ser devorado por ele - como tem acontecido com a oposição e com a ultra-esquerda  - de que também pode ser vítima a própria esquerda. Para o que é essencial  identificar os elementos de continuidade e de ruptura na historia brasileira  destas décadas, rearticulada pela globalização neoliberal e pelas emergentes  forças pósneoliberais, no marcado da crise hegemônica global que marca o mundo,  a América Latina e o Brasil contemporâneos. 
Postado por Emir Sader às 06:22
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