O que é a Semana Nacional da Consciência Negra
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A consagração de novembro como mês da Consciência Negra reaviva a luta pela liberdade e resistência do povo negro no Brasil. Remete-nos ao passado escravista das Américas e de devastação das riquezas humanas, culturais, políticas e intelectuais do continente africano e a movimentação para conquista de direitos e cidadania. Neste ano, novembro se inicia impulsionado pela efervescência dos 35 anos de atuação do movimento negro em torno da imagem de Zumbi dos Palmares como herói nacional e da data de seu assassinato como um marco para a conscientização da identidade afro-brasileira.
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Em verdade, a luta pela liberdade e valorização dos saberes africanos se reporta aos mais de 500 anos da diáspora africana nas Américas. No entanto, a contemporaneidade fortaleceu essa reivindicação com símbolos nacionais que serviram de elementos para visibilizar a transformação almejada de uma sociedade sem racismo, discriminação e preconceito racial. Zumbi, ícone da falange palmarina, é uma figura viva na memória do povo brasileiro e reproduz os ideais de uma sociedade solidária e aguerrida em que homens, mulheres, negros, indígenas e brancos puderam desconstruir o sistema de estratificação social na República de Palmares contrapondo-se ao regime de escravidão.
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O ajuste de contas do Brasil Colônia com a população negra brasileira vem sendo dado pelo Estado brasileiro a passos lentos se comparado com a vigência do regime de escravidão e a ausência de políticas de inclusão no pós-abolição. Nem o nascedouro da República incorporou de fato a garantia de cidadania para africanos e seus descendentes. Pelo contrário, manteve os estigmas do escravismo e a negação da contribuição africana para a formação do Brasil e a presença do componente africano na sociedade.
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Por assim ser, temos extensa agenda de demandas que se referem à titulação de terras para comunidades remanescentes de quilombos, saúde, educação, trabalho e renda, acesso a bens e serviços. Ações essas que explicitam a urgente inversão do curso das políticas públicas em que a promoção da igualdade racial seja o norteador nas instâncias de formulação, decisão e execução.
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Ao ser constituída, a Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial assumiu o legado da luta de combate ao racismo e a superação das desigualdades étnico-raciais, desafios de inclusão inerentes à história republicana brasileira. Por meio desse órgão, o governo federal passou a tratar a temática racial no centro de sua estrutura, garantindo o trabalho integrado entre ministérios.
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Orientados pela Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, dialogamos com estados e municípios em processos em que a participação popular e de gestores públicos tracem as linhas mestras para a definição e execução de políticas públicas de acordo com as realidades locais, a exemplo do acúmulo obtido na 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial cujo produto resultou no Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
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Dessa forma, propomos um novo projeto de nação para que haja a inclusão dos negros em diversos setores da sociedade, a exemplo do que ocorre no Programa Universidade para Todos, em que negros e indígenas são atendidos com bolsas integrais e parciais de estudo, na ampliação de universidades públicas com adesão ao sistema de reserva de vagas e na promulgação da Lei 10.639/03, que obriga o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no ensino fundamental e médio. Essa construção é alvo da sinergia para sua consolidação nos próximos quatros anos de governo.
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Embuído pela magnitude da marca de 35 anos do Dia Nacional da Consciência Negra, o governo federal, em conjunto com a sociedade civil engajada na luta anti-racismo, organizações negras, Organização das Nações Unidas, está organizando uma série de atividades para destaque de pontos elementares para a temática promoção da igualdade racial como a reflexão e debate acerca das políticas de ações afirmativas na educação e na saúde da população negra. Que neste fervoroso mês de novembro as aspirações palmarinas elevem as adesões do movimento anti-racismo e mantenham ativa a integração de forças para o combate ao racismo.
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Matilde Ribeiro ,
Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
Governo Federal
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Dia Nacional da Consciência Negra
Sexta-feira, 16 de novembro de 2007 - 11h25min
Por que falar em Negritude na Bíblia
Acontece no dia 20 de novembro, e os dias que envolvem aquela semana, vários eventos, comemorações, protestos, reflexões e celebrações em torno da Semana Nacional da Consciência Negra. Nós do CEBI queremos retomar a reflexão sobre o tema "negritude" como desafio para incorporarmos mais isso no nosso suor, nas falas, textos e organização local, regional e nacional.
Os evangelhos sinóticos são unânimes em afirmar que um certo Simão de Cirene ajudou Jesus a carregar a cruz, a caminho do Calvário (Mt 27.32; Mc 15.21; Lc 23. 26). Ora, Cirene fica no norte da África, mas alguma vez você ouviu em prédica ou sermão, na catequese, na escola dominical ou no ensino confirmatório, que um africano ajudou Jesus a carregar a cruz? Estudiosos dirão que se trata de um judeu da diáspora, visto que no norte da África havia várias colônias judaicas. Mas com que argumentos ou intenções fazem esta escolha na interpretação?
Por contrariar os interesses da corte de Jerusalém, pouco antes da destruição da cidade pelas tropas babilônicas, o profeta Jeremias foi preso e lançado numa cisterna. Um africano, funcionário do rei (seu nome, Ebed-Melec, significa “ministro do rei”), liderou um movimento para libertar Jeremias (Jr 38,1-13). Quantas vezes você se lembra de ter estudado este texto, dando atenção a este “detalhe”?
Moisés casou-se com uma africana, da região de Cush – Etiópia (Num 12). Na verdade, quase toda a historia do êxodo se passa na África. Uma simples leitura do Canto de Miriã (Ex 15, 19-21), com certeza um dos textos mais antigos de toda a Bíblia, nos permite notar a proximidade da cena com a rica cultura dos povos negros: canto e dança ao redor dos tambores. Você já parou para pensar nisso?
O missionário Filipe, ao “aceitar a carona” na carruagem do negro e alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia, tem uma grata surpresa: o africano já tem em suas mãos o livro do profeta Isaías (At 8, 26-40). E há quem continue afirmando que foram os europeus que levaram a Bíblia para a África!
Por isso, queremos continuar a reler toda a Bíblia na perspectiva de negritude.!
Em primeiro lugar, porque seguimos acreditando que o Deus da Bíblia faz opção pelas pessoas e pelos grupos mais marginalizados. Em nossa sociedade, as mulheres, as pessoas negras e indígenas continuam sendo as maiores vítimas da gritante exclusão social. Com elas aprendemos a resistir. Em segundo lugar, porque queremos e podemos descobrir as raízes negras do povo hebreu e de toda a Bíblia. De fato, antes de ser européia, a Bíblia é afro-asiática. Não negamos a contribuição européia ao nosso continente, queremos seguir trocando saberes com o chamado “Velho Continente”. Mas denunciamos o cristianismo branco e opressor, com teologias que chegaram ao absurdo de justificar a escravidão negra (feita pelos brancos) e que continuam, muitas vezes, negando nossas raízes.
Não queremos fazer isso apenas pinçando textos bíblicos nos quais apareçam personagens africanas. Este até pode ser o primeiro passo, um exercício necessário e interessante. Mas é preciso mais do que isso, é preciso olharmos toda a Bíblia na perspectiva da negritude. Porque essa é nossa experiência, ainda que negada: vivemos num país onde metade da população é afro-descendente. “Coincidentemente”, é a metade mais pobre.
Que aceitemos o desafio de mergulharmos na Bíblia e na vida com nosso olhar afro-descendente. Afinal, por muitos séculos, fizemos isso apenas com o olhar europeu. Erramos e acertamos, agora vemos que é preciso mais. Ou manteremos a opção, muito mais cômoda e bem menos questionadora para nossa sociedade preconceituosa e racista, de continuar enxergando apenas um Jesus loiro, de olhos azuis e cabelos cacheados?
Edmilson Schinelo
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