Depoimento de Tacla Durán: amigo de Moro e a Lava Jato devem explicações. Por Joaquim de Carvalho
Esta reportagem é parte da série sobre a indústria da delação premiada, projeto de crowdfunding do DCM e do GGN. As demais estão aqui
O depoimento do advogado Rodrigo Tacla Durán à CPMI da J&F durou três horas e 54 minutos, entre a manhã e o início da tarde de hoje. Durante pelo menos quatro horas, seu nome foi um dos assuntos mais comentados do Twitter, segundo o ranking da rede social. Mas, para quem acompanha o noticiário nacional pela velha mídia, é como se esse depoimento não tivesse existido.
Tacla Durán prestou serviços a duas empreiteiras investigadas pela Lava Jato, a UTC e a Odebrecht, mas não houve veículo da grande imprensa interessado em registrar o que ele disse. Por quê? Porque Tacla Durán nada contra a corrente e contesta a narrativa predominante de que Sergio Moro e os procuradores da república da Lava Jato são heróis, na batalha contra a corrupção.
Dar-lhe voz é contribuir para destruir mitos e, com isso, desmascarar a farsa da operação, que até aqui produziu como resultado mais expressivo o golpe contra a presidente Dilma Rousseff.
O que disse Durán que merece ser aprofundado:
1 – Ele não fez acordo de delação premiada, mesmo nas condições favoráveis que lhe teriam sido oferecidas por um amigo de Sergio Moro, o advogado Carlos Zucolotto, por considerar que estava sendo extorquido.
Observação: Pode ser mentira de Tacla Durán, mas ignorá-lo não vai esclarecer o caso. Durán apresenta como prova imagem das conversas com Zucolotto através do aplicativo Wickr – que apaga as mensagens depois de seis dias. Durán fez print screen da tela do celular. As imagens das conversas foram analisadas por um perito da Espanha e, segundo Durán, o laudo concluiu que não houve adulteração.
Durán encaminhou o laudo do perito, bem como a cópia das conversas, num anexo de 45 páginas, precedidas por um ofício (veja no final do texto do texto). Pelas conversas, não fica dúvida: Zucolotto tentou vender facilidade.
Pelas conversas, o interlocutor que seria Zucolotto diz que estava negociando o acordo com DD – é possível que seja Deltan Dallagnol. Mas Tacla Durán não quis dizer de quem eram as iniciais e sugeriu que o amigo de Moro esclareça.
Depois que Dallagnol assumiu a compra de imóveis do Minha Casa, Minha Vida, para especular, atravessando famílias que necessitam de apartamentos a preços mais baixos, uma coisa é certa: Dallagnol faz negócios.
Só para registrar: a compra de imóveis do Minha, Minha Vida, ainda que por pessoas que recebam supersalários (caso de Dallagnol), é legal. E Zucolotto também podia estar usando o nome de DD sem conhecimento deste.
Tacla Durán tem ainda a favor da sua narrativa um antecedente: Zucolotto foi correspondente de seu escritório em Curitiba, conforme documentação apresentada à Receita Federal, quando ele foi investigado, entre 2014 e 2016, sob a suspeita de crime contra a ordem tributária — simular atividade profissional para não recolher imposto.
O juiz Sergio Moro teve um comportamento estranho diante da acusação contra Zucolotto. Embora não fosse acusado de nada, saiu em defesa do amigo, em nota oficial, em que existe pelo uma informação que não é verdadeira: ao contrário do que disse Moro, Zucolotto teve, sim, atuação na área criminal, no caso em que Moro processou o advogado Roberto Bertholdo por calúnia, injúria e difamação, há cerca de dez aos, por ter sido acusado de favorecer réus e aceitar provas ilícitas, em acordos de colaboração da época.
O que fazer: Zucolotto teria que ser ouvido pela CPMI para dar explicações. Tacla Durán o acusa de vender facilidade em delação premiada. É uma acusação grave e precisa ser esclarecida. Depois que a jornalista Mônica Bergamo noticiou que a acusação contra Zucolotto constava no livro que Durán começou a escrever, o amigo de Moro fez alterações em seu facebook, e apagou imagens em que ele aparecia com o juiz. A imagem que circula na internet, com Zucolotto atrás de Moro, num show do Skank, foi copiada antes que ele a deletasse. A CPMI também tem poderes para quebrar os sigilos bancários, telefônicos e de comunicações digitais de Zucolotto. Com isso, será possível saber de sua relação com os integrantes da Lava Jato. Segundo Durán, ele teria dito que precisava receber honorários por fora para pagar quem o estava ajudando no acordo de delação.
2 – A Lava Jato lhe propôs delação a la carte.
Observação: Rodrigo Tacla Durán narrou o episódio em que o então procurador Marcello Miller lhe apresentou uma alista de políticos e perguntou se podia incriminar algum deles. A colaboração tem que espontânea, não pode ser induzida.
O que fazer: a CPMI pode aprofundar o tema com um novo depoimento de Marcello Miller. Também pode denunciar o caso ao Conselho Nacional do Ministério Público e à Corregedoria do Ministério Público Federal — é quase certo que não dará em nada, mas obriga os órgãos de auto-controle a se posicionar.
3 — A Odebrecht (ou a Lava Jato) plantou provas falsas nos acordos de delação premiada e nas operações de busca da Polícia Federal.
Observação: Que provas são estas? Extratos bancários falsos do Meinl Bank, a instituição de Antígua que a Odebrecht usava para pagar propina. Isso é crime de fraude processual.
O que fazer: ouvir o ex-procurador geral Rodrigo Janot, responsável pelo Ministério Público Federal na época em que esses acordos e essas provas foram produzidos.
4 — O presidente e um diretor da UTC, Ricardo Pessoa e Walmir Pinheiro, mentiram à Procuradoria da República ao dizer que era ele, Tacla Durán, quem faziam as operações de câmbio ilegais.
Observação: essa acusação, feita bem depois do acordo de delação premiada, foi usada para vincular Tacla Durán ao caixa 2 da Odebrecht e, com isso, apertar o cerco contra o PT. Segundo os denunciantes, Tacla Durán entregava a cada dois meses pacotes de reais na garagem da sede da empresa. Mas a própria empresa diz que não tem registros de sua entrada na recepção nem imagens de vídeo. É uma acusação com jeitão de cascata. Para saber se Tacla Durán esteve ou não lá, poderia ser feita uma investigação de seu deslocamento, a partir dos registros das operadoras de telefonia. Não é difícil.
O que fazer: a CPI, além de fazer perguntas a Janot, pode chamar os diretores da UTC.
5 — Um consultor financeiro, Ivan Carratu, ligado à UTC, teria lhe recomendado contratar um advogado da "panela de Curitiba", para acertar a delação.
Observação: essa recomendação lhe teria sido feita por conversa de WhatsApp, cuja cópia foi entregue à CPMI, periciada.
O que fazer: A partir dessa prova, deve ser chamado para depor o consultor financeiro Ivan Carratu.
6 — A Lava Jato ameaçou perseguir parentes de Tacla Durán se ele não fizesse um acordo de colaboração premiada.
Observação: Em razão dessas ameaças, a mulher, a ex-mulher, os filhos, a irmã e a mãe de Tacla Durán deixaram o Brasil e foram morar com ele na Espanha.
O que fazer: É preciso ouvir Rodrigo Janot ou integrantes da Lava Jato para que respondam à acusação, muito grave, pois remonta aos períodos mais sombrios da história do Brasil, os porões da ditadura militar.
7– O Meinl Bank adulterou a contabilidade para impedir o rastreamento de recursos, para ficar com ativos que nunca seriam liberados, bem como proteger delatores.
Observação — Os publicitários João Santana e Mônica Moura tiveram receitas através de contas não reveladas pela Lava Jato — nesse caso, com a aplicação de tarjas sobre registros de movimentação bancária.
O que fazer — Tomar o depoimento dos acionistas do Meinl Bank — dois deles também ex-executivos da Odebrecht —, e de João Santana e Mônica Moura.
8 — Sergio Moro está violando acordos internacionais ao processar no Brasil quem tem outra nacionalidade.
Observação: A Espanha se dispôs a conduzir o processo contra Tacla Durán, no território espanhol, com base nas leis espanholas, mas, para isso, recomendou que o Brasil envie as provas que Moro tem da suposta conduta criminosa do advogado. Moro não fez isso e encaminhou uma citação, para que Durán tome conhecimento lá do processo que ele quer conduzir no Brasil e se defenda, sob pena de ser processado à revelia. Na prática, Moro está estendendo sua jurisdição para o território europeu. Isso nunca será aceito, mas mostra o que pode ser interpretado como comportamento abusivo do magistrado.
O que fazer: solicitar documentos que comprovem o que disse Tacla Durán — a fonte é o Ministério da Justiça e também o Ministério das Relações Exteriores, que mediam o diálogo entre as justiças da Espanha e do Brasil, com base em acordos internacionais. O resultado dessa análise deve ser registrado no relatório da CPMI. Além disso, a comissão deve oficiar o Conselho Nacional de Justiça sobre o que pode ser interpretado como comportamento abusivo de um magistrado. Jurisdição planetária não existe.
Além de aprofundar esses pontos, a CPMI tem a oportunidade de analisar todo o material que foi encaminhado por Tacla Durán. São extratos bancários, registros de conversas por aplicativo, cópias de e-mails e ofícios.
A partir daí, pode determinar diligências, perícias ou novos depoimentos. Não havendo dúvidas sobre a veracidade das informações que comprovem ou indiquem irregularidades ou ilegalidades, esse material pode ser subsidiar um capítulo do relatório.
A CPMI da JBS/J&F foi criada a partir de um fato determinado — o acordo de delação premiada que deu aos controladores e diretores da empresa imunidade judicial (na prática, já revogada, pois eles estão presos) —, mas, através dela, pode haver recomendação para mudanças que aperfeiçoem a legislação.
Até aqui, a CPMI tem demonstrado que é preciso haver controle institucional sobre quem tem a prerrogativa de investigar a tudo e a todos, naturalmente sem tirar-lhes a independência. O limite é a lei, mas parece que os integrantes do Ministério Público e o Judiciário não parecem temê-la, pois parecem contar que, no caso deles, não há sanção. Lei sem pena é inócua.
O Brasil precisa de uma lei para punir abusos de autoridade.
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