Homenagens lembram um ano da morte de Néstor Kirchner na Argentina
Filas quilométricas se estendiam por quarteirões nas ruas que rodeavam a Praça de Maio
Há exatamente um ano, a realização do censo presenteou os argentinos com um feriado. Nas primeiras horas da manhã, jornalistas já estavam posicionados em frente à casa de Cristina Kirchner para acompanhar o momento em que a presidente responderia às perguntas do censorista. Para surpresa geral, a notícia seria outra: o ex-presidente argentino, Néstor Kirchner, morrera.
Foi questão de horas para que a notícia percorresse o país e uma multidão de argentinos se dirigisse à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, onde o corpo de Néstor, vítima de uma parada cardiorrespiratória, seria velado. Flores, cartazes de agradecimento e mensagens de apoio à Cristina Kirchner ocuparam um grande espaço dedicado às prendas ao ex-presidente.
Filas quilométricas se estendiam por quarteirões nas ruas que rodeavam a praça. Milhares de pessoas, provenientes de diferentes pontos do país, esperavam o momento de se despedir do ex-mandatário. A presidente argentina, acompanhada por seus dois filhos, Máximo e Florência Kirchner, somente pode se retirar do local depois da meia-noite, quando a fila já havia reduzido.
Luciana Taddeo/Opera Mundi
Centenas de pessoas prestaram homenagem ao ex-presidente na Praça de Maio e em outros pontos do país
Passado um ano da morte de Néstor, nesta quinta-feira (27/10), os argentinos voltaram a lotar aquela mesma praça em sua homenagem. A apenas alguns minutos do início do dia, fogos de artifício eram escutados nos arredores da Praça do Congresso, em Buenos Aires. A Casa Rosada amanheceu com flores, fotos e mensagens ao ex-presidente.
A presidente Cristina Kirchner manteve uma cerimônia privada no cemitério de Río Gallegos, no sul argentino, durante a manhã. Os restos mortais de Néstor, que se encontravam na abóboda familiar, foram colocados em um gigante mausoléu, recém-inaugurado, que horas mais tarde foi aberto ao público.
Durante a tarde, mineiros de Santa Cruz, província natal de Néstor Kirchner, levaram à Praça de Maio uma estátua do ex-presidente feita em bronze. Militantes e admiradores do governo também compareceram com suas bandeiras, camisetas e representações do ex-presidente em distintos formatos: broches, bonecos e até uma cabeça gigante inflável. Em um palco, o microfone foi aberto ao público para que prestasse suas homenagens.
Eleições
Diferente do clima de tristeza e estupefação das homenagens do ano passado - quando ainda era incerto o rumo que tomaria o governo sem a presença de Néstor ao mando do Partido Justicialista e os militantes ameaçavam aos opositores que tentassem "tocar" a presidente -, neste ano os presentes mostravam tranquilidade, devido ao resultado das eleições deste domingo (23/10), quando Cristina Kirchner foi reeleita com cerca de 54% dos votos.
Luciana Taddeo/Opera Mundi
Integrantes da Frente de Mulheres "K": reeleição de Cristina mostra que ela não está sozinha
"Néstor não morreu", era a frase mais cantada e transmitida em cartazes. Já a mensagem "Força, Cristina" já não se mostrou tão necessária como há um ano. "Eu tinha muita fé na Cristina, mas o Néstor era um grande apoio político para ela. Quando ele morreu, pensamos que estávamos perdendo a possibilidade de seguir em frente", afirmou ao Opera Mundi Magdalena Jamardo, integrante da Frente de Mulheres "K".
Para ela, a reeleição de Cristina "mostra que ela não está sozinha, que além do apoio dos filhos, pode contar com todo um povo que arrebentou as urnas nas eleições, com 11 milhões de votos", diz ela, que lembra ter sido carregada nos ombros do pai pela avenida 9 de Julio após a morte de Evita. "Tinha filas e filas para passar perto do féretro, como aconteceu com Néstor, e ele me dizia que eu tinha que vê-la pela última vez", conta.
Já a militante do Movimento Evita, Mariel Fernández, afirmou ter ido à praça com "sentimentos misturados". "Viemos lembrá-lo com tristeza, porque ele era um companheiro que nos permitiu muitas coisas, mas ao mesmo tempo estamos alegres, porque ele nos devolveu a esperança de que podemos ter um país para todos", explica.
Cristina sem Néstor
Para Magdalena, a teoria de que Néstor era o real comandante e estrategista do governo, mesmo durante o mandato de Cristina, têm relação com o preconceito de gênero. "Isso têm a ver com a ideia de que uma mulher não pode governar. Mas a Cristina mostrou ter 'muitos ovários' para não só governar um país, como levá-lo adiante", diz, concluindo: "Eles são uma dupla que funcionavam bem há muitos anos".
Segundo Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudios Unión para la Nueva Mayoría, no entanto, houve mudanças no estilo político de Cristina após a morte de Néstor. Entre elas, ressalta o distanciamento do governo com o dirigente sindical Hugo Moyano, da CGT (Confederação Geral do Trabalho). "Existe uma identidade com o modelo iniciado pelo ex-presidente, mas com um estilo político diferente", afirma.
Enquanto Néstor Kirchner articulava a política com governadores, prefeitos, sindicalistas e piqueteiros, a presidente argentina passou a dar prioridade à juventude e à decisão de enfrentar as corporações, segundo Fraga. O especialista político ressalta, no entanto que após a morte do marido, Cristina apostou na moderação discursiva. "Nos últimos tempos, o discurso da presidente tem sido mais conciliador e menos combativo do que o de seu predecessor", analisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário