Edgard Patrício *
A aproximação entre economia solidária e meio-ambiente vai além do que simplesmente a utilização de termos e conceitos comuns pelos que militam nos dois movimentos. É fato que tanto os princípios da economia solidária como aqueles que orientam uma ação ambientalista buscam concretizar um acesso igualitário à qualidade de vida. Mas, para sermos justos com o domínio capitalista sobre esse mundo, podemos afirmar que o que aproxima economia solidária e meio-ambiente é exatamente o que distancia os seres humanos dessa qualidade de vida - os padrões capitalistas de produção. A superação desses padrões é o que anima a luta lado a lado de trabalhadoras e trabalhadores da economia solidária e ambientalistas.
Não é novidade que a lógica dos padrões capitalistas de produção aponta para a busca incessante da acumulação. No cerne desse princípio, o ‘ser’ enquanto forma valorada do ‘ter’. Por conseguinte, a arrogante sobreposição do ‘um’ sobre o ‘todos’, no raciocínio enviesado de que a diferenciação ocorre pelo ‘eu tenho o que você não tem’, ou ‘eu tenho mais do que você tem’, mesmo que isso signifique - abominável lógica! - a própria anulação física do outro. Ao enveredar pela lógica da acumulação, os padrões capitalistas exacerbam os limites do consumo. E essa exacerbação pode se dar tanto pela exploração incontrolada dos recursos naturais como pela exploração desenfreada do mais natural dos recursos - a própria força de trabalho humana.
Contra a exploração desenfreada dos recursos naturais é que nasce o movimento ambientalista.
Contra a exploração incontrolada da força de trabalho humana é que nasce a economia solidária.
Na base dos princípios do movimento ambientalista está a compreensão do direito difuso - a qualquer pessoa deve ser garantido o direito a um meio-ambiente saudável. O difuso se impregna de uma percepção coletiva do acesso à vida. Aí a equação se fecha. Por um lado, perante os padrões de consumo considerados aceitáveis pelo modo de produção capitalista dito ‘desenvolvido’ - e como é tênue a fronteira, nesse sistema, entre o que é aceitável e o que não o é -, e se esses padrões fossem estendidos a todas as pessoas que habitam o nosso planeta, não haveria como garantir o direito a um meio-ambiente saudável a todos, simplesmente porque a totalidade de recursos naturais desse mundo não suportaria esse incremento. Por outro lado, já se sabe que a totalidade de alimentos produzida hoje pelo mundo seria suficiente para alimentar todos seus habitantes dentro de padrões dignos de vida.
Os empreendimentos solidários trabalham com a compreensão de que o ‘outro’ é uma extensão do ‘eu’. E qual processo coletivo representa o encontro dos seres humanos em busca dessa utopia? A realização pelo trabalho. Nesse momento, o padrão de consumo é reorientado. Sai a acumulação, entra a complementaridade. Essa compreensão ressignifica a própria relação entre produtores e consumidores. De um embate permanente entre esses dois lados, a economia solidária tende a simplesmente abstrair a contenda, porque pautada pelo atendimento a uma demanda concreta de consumo, regulada pelo direito que um e outro têm de consumir. Daí que os padrões de produção dessa outra economia se realizam nas trocas solidárias, tendo por base moedas sociais, na reutilização e reciclagem de materiais, invocando o uso discriminado dos recursos naturais, e na produção quase sempre voltada para o atendimento de uma demanda legitimada pelo direito do coletivo.
Todas e todos que se preocupam com a qualidade de vida dos que habitam esse planeta - nossa velha e boa Pacha Mama -, trabalham por um desenvolvimento sustentável. O movimento ambientalista defende que esse desenvolvimento seja ecologicamente equilibrado, socialmente justo e economicamente viável. Talvez já fosse hora de rever essa definição. No mínimo, ficaria mais simpático que o desenvolvimento fosse ecologicamente equilibrado, socialmente justo e... economicamente solidário.
*Jornalista que escreve aos domingos, há dez anos, a coluna Ecologia, no jornal O Povo, e participa, através da ONG Catavento Comunicação e Educação, da Rede Cearense de Socioeconomia Solidária. Colaborador de Adital
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