Escrito por Frei Betto
10-Jan-2008
Chamar de novo o ano que se inicia me deixa de pé atrás. Mineiro, sobra-me desconfiança. Porque novo só mesmo o avanço de um dígito no calendário anual deste século XXI.
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Ano que se inicia é como casa nova, vem junto toda a tralheira da velha. Parece aniversário, a gente muda de idade e conserva os mesmos vícios, as mesmas manias, os mesmos (des)propósitos. E ainda acha, de quebra, que não ficou mais velho. Porque ruga só se enxerga em rosto alheio.
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Este novo ano convergirá para as eleições municipais. Vai rachar na base citadina a coalizão articulada nas lúlicas altitudes do Planalto. Partidos que se bicam em Brasília haverão de quebrar o pau na disputa municipal pela cadeira de prefeito. E uma avassaladora multidão de candidatos estará de olho no mandato de vereador. Uns, porque, imbuídos de espírito cívico, aspiram sinceramente a servir à população. Outros sonham em ganhar sem trabalhar.
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Ser vereador no Brasil é prêmio da loteria eleitoral. O eleito comparece uma ou duas vezes por semana à Câmara Municipal e, graças ao cargo, dedica o resto do tempo ao que lhe dá na telha. Uns poucos se interessam de fato pela cidade; outros cuidam de seus negócios pessoais; e há ainda os que preferem a ociosidade bem remunerada, turistando mundo afora à custa do contribuinte e do erário público.
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A maioria faz tráfico de influência. É o chamado nacotraficante. De cada jeitinho dado o sujeito arranca um naco em proveito próprio: um saco de cimento aqui, a matrícula do menino ali, uma passagem rodoviária interestadual acolá...
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O bom pra eles é que nós, eleitores, votamos e, quinze dias depois, nem mais recordamos o nome do candidato. Se eleito, o sujeito fica à vontade, sem sofrer pressão de quem o elegeu. É a democracia delegativa. Nem chega a ser representativa. E está a mil anos-luz da participativa – aquela em que a sociedade civil organizada interage permanentemente com o poder público. E tem consciência de que político não é autoridade, é servidor. Nós o elegemos e lhe pagamos o salário. Autoridade é o povo, a quem ele deve prestar contas. O eleitor tem o direito de cobrar, propor, pressionar; o político, o dever de prestar contas.
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Bom seria que escolas, associações, sindicatos, igrejas, empresas etc. promovessem debates com partidos e candidatos, e exigissem, por escrito, a garantia de que cumprirão determinados compromissos. Fiz isso na última eleição para deputado federal. Houve quem se recusasse a assinar... E olha que era gente de partido pretensamente progressista. É assim, na hora do discurso, uma beleza; na hora do compromisso, uma tristeza...
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E é bom ter presente também que, neste ano, comemoram-se os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O que a direita raivosa considera “coisa de bandido”. Falta incluir na Declaração os direitos internacionais, planetários e ambientais, de modo a obrigar o governo dos EUA a tirar as patas de Cuba (Guantánamo + bloqueio) e de Porto Rico (colônia USA desde 1898, quando o processo de descolonização já ocorreu no resto do mundo).
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Bons votos e feliz 2008, querido (a) leitor (a)!
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