“Tolerar o sofrimento dos outros,
tolerar a injustiça de que não somos vítimas,
tolerar o horror que nos poupa
não é mais tolerância:
é egoísmo, é indiferença, ou pior”.
Comte-Sponville
Brasília com sua arquitetura moderna, traços inconfundíveis de Niemeyer. Um índio, depois de um dia para protestar sobre a situação que vive o seu povo resolve dormir num banco de um ponto de ônibus. Alguns filhos de doutores da lei para se distraírem do tédio que os acometia resolveram jogar álcool sobre o índio e atam fogo. Muitas queimaduras, dor e a morte. Pra que me incomodar, Brasília é longe de mim e não sou índio.
São Paulo terra do desenvolvimento econômico, dos enormes prédios, dos empresários. Mendigos dormem, pais e filhos da hipocrisia chutam, batem, atam fogo, queriam “higienizar” a cidade. Muitos ficam gravemente feridos, outros morrem. Na mesma cidade um garçom morre a facadas por que se nega a emprestar o isqueiro a uma moça. Pra que me preocupar, São Paulo é tão distante daqui e não tenho nenhum laço com as tais ONGs que ajudam este povo de rua.
Salvador, terra do sincretismo cultural, da alegria das raças. Um aposentado reage quando um perito criminal tenta furar a fila no caixa de banco, recebe um soco no rosto, cai, bate com a cabeça e morre. Nada de crise, afinal de contas Salvador é longe daqui e não tenho nada a ver com relacionamentos intempestivos das pessoas.
Rio de Janeiro. Ah! Rio de Janeiro, terra maravilhosa, do Pão de Açúcar, do Cristo Redentor, Copacabana. Uma doméstica espera o ônibus, cinco filhos ilustres da fina flor da sociedade carioca espancam a mulher por pensarem ser ela uma prostituta e para se divertirem, como se isso fosse motivo para a irracionalidade humana. Nada de perder o sono porque o Rio de Janeiro é longe e não tenho, a princípio, nenhum parente pertencente ao grupo de trabalhadores domésticos.
Dom Pedrito, terra gaúcha da hospitalidade. Um torcedor brinca com um grupo do time adversário, é trucidado a pontapés. Porque devo me preocupar? Dom Pedrito é longe e não tenho índole para me envolver em confusões com agressões físicas.
Caxias do Sul, terra de povo trabalhador, de uva, da polenta, do vinho. Uma mulher é espancada por servidores da guarda municipal diante de câmeras que registram tudo. Calma, não tenho motivo algum para me preocupar. Caxias do Sul, mesmo sendo perto é diferente de tudo o que acontece no resto do país porque “somos gente boa” e não costumo sair à noite sozinho, evito falar com quem não conheço e os problemas que acontecem são provocados por gente de fora.
Quem disse que os sinais do tempo são subjetivos?
José Antonio Somensi
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