17/11/2006
O sociólogo francês Pierre Bourdieu considerava que não se deveria aceitar falar na televisão ou no rádio, se não fosse por um tempo longo, sem interrupções. Alegava que a pressa e a velocidade são inimigas da verdade. Qualquer forma de síntese adaptada aos tempos midiáticos teria todas as possibilidades de falsificar a verdade, de tanto vulgarizá-la, para que coubesse no formato proposto pelas televisões e rádios comerciais.Ao se expor um pensamento que se contraponha à corrente dominante de idéias - papel essencial de um intelectual - exige-se pelo menos o tempo necessário para desarticular o pensamento dominante para, em seguida, expor uma interpretação alternativa. No entanto, se começamos a responder a algum repórter sobre um tema qualquer, dizendo: "Há três aspectos que devem ser ressaltados sobre esse problema..." - o repórter já morre de medo, imaginando que a resposta levará 15 ou 20 minutos, totalmente inviáveis para o ritmo das emissoras comerciais.
A palavra intelligentsia, de origem russa, designava, no final do século XIX, o intelectual crítico, independente, que defende os interesses públicos, com linguagem acessível. Correspondia a toda uma geração de escritores, pensadores, artistas, que defendiam o povo russo, lutavam contra o czarismo, a repressão, a censura.Essa combinação havia tido em Emile Zola uma expressão significativa na França, na defesa do caso Dreyfuss - o primeiro grande movimento de mobilização da opinião pública que reverteu uma aparente unanimidade originalmente construída. O "Eu acuso" foi uma diatribe expressa em um pequeno órgão alternativo, que se tornou modelar em termos de luta da minoria contra uma falsidade transformada em consenso, imposta e assumida pela grande maioria dos franceses da época.
A passagem do reino da palavra escrita para o reino da imagem, do livro para o filme, do jornal para a TV, mudou os termos do problema, sem afetar seu conteúdo. Surgiu o "intelectual midiático", conectado com novas modalidades editoriais - como a auto-ajuda, o esoterismo e outras formas vulgarizadas de enfoque -, que ocupam um lugar importante em um país em que três quartos das pessoas são analfabetas funcionais. Isto é, em que têm dificuldades ou impossibilidade de ler um texto, compreendê-lo e responder, necessitando de personagens como a de Fernanda Montenegro no filme "Central do Brasil" para entender e responder uma carta.
Um intelectual tem que se adaptar à difícil arte de dizer coisas com um mínimo de consistência e coerência em um tempo curto e cercado de comerciais, de noticiários compostos freqüentemente por uma enxurrada de notícias fragmentadas e sem explicações - se quiser aceitar esse desafio. Impossível não é, embora seja certo que a pressa e a velocidade são inimigas da verdade. O problema é a proliferação de personagens que protagonizam o que tão bem Jaguar chamou de "rebeldes a favor", com uma linguagem contundente, que dá a impressão de que serão críticos, independentes, mas se revelam altamente conservadores, retrógrados e no mais das vezes ignorantes, manipulando algum verniz de saber.
O compromisso do intelectual da esfera pública é com a verdade, com a independência do seu pensamento e a autonomia em relação às estruturas de poder vigente. Além de abordar temas transcendentais e buscar fazer chegar a verdade aos que mais necessitam da verdade -nas palavras de Brecht - aos marginalizados, aos discriminados, aos humilhados, aos explorados, aos ofendidos, aos dominados.
Postado por Emir Sader às 08:22
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