O déficit orçamentário do estado é uma farsa
Extra Classe – O senhor afirmou, antes da votação do Orçamento estadual em plenário, que o déficit nas contas do governo não existe. Pode explicar melhor essa afirmação?
Marlon Santos – É muito difícil lidar com Orçamento. Mas num cálculo aproximado, sem documentos oficiais, estimamos que o Estado vai deixar de arrecadar mais de R$ 9 bilhões em 2017 por conta de isenções fiscais que ninguém conhece, a que ninguém tem acesso. Então, me parece que apresentar um déficit de R$ 2,97 bilhões, com esse cenário, é um descalabro. As desonerações fiscais são concedidas sem nenhuma transparência, até mesmo para os órgãos que têm a missão de controlar as contas do governo, como o Tribunal de Contas do Estado. Sob a alegação de sigilo fiscal, a Secretaria da Fazenda simplesmente não libera os dados. São R$ 9 bilhões de incentivos que não sabemos para onde está indo e nem a contrapartida das empresas. São R$ 9 bilhões de incentivos que representam 23% do ICMS potencial do Estado. É uma caixa-preta. Não existe déficit no Rio Grande do Sul. O que temos é uma farsa orçamentária, isso desde os tempos do Império.
EC – Como o senhor chegou a esse cálculo das desonerações?
Santos – Tem muita discrepância, mas é possível se aproximar da realidade ao fazer um cruzamento de dados. Dois terços das desonerações, por exemplo, são feitos por créditos presumidos, ou seja, as empresas estimam quanto vão gerar de impostos e o governo abre mão da arrecadação. Outras são direcionadas a microempresas ou setores que necessitam de apoio oficial para se manterem competitivos. Não digo que todos os incentivos devam ser derrubados, não se trata disso. Mas uma revisão ampla desse instrumento de fazer política econômica, com ampla participação da sociedade, é um passo necessário para o equilíbrio das contas públicas e para uma responsabilidade fiscal verdadeira.
EC – Mesmo assim, seu relatório recomendou a aprovação da proposta de Orçamento. Por quê?
Santos – É que a proposta foi construída em bases reais de receitas e despesas e em conformidade com o que determina a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Diante disso, não aprovar seria pior. As prioridades estão indicadas, para educação, saúde e segurança pública. Com o quadro recessivo, as despesas estão mantidas no mesmo nível deste ano. A farra orçamentária das últimas décadas nos levou a isso, infelizmente. O que procuramos fazer é adequar o Orçamento à realidade das receitas. Se pudéssemos zerar tudo seria mais adequado.
EC – Como assim?
Santos – Eu, se fosse governador, faria isso: zerava tudo. Como é que o Estado pode ser daqui para a frente? Tem tanto para gastar. O que passar disso, corta, joga fora. O Estado é o que arrecada, e não o que tem perspectiva de arrecadar. Falta coragem aos administradores para fazer o marco zero no Orçamento do Estado.
EC – Os servidores públicos acusam o governo de congelar os salários na proposta orçamentária. Ou seja, não haverá aumentos em 2017.
Santos – A previsão é de apenas correção vegetativa dos gastos de pessoal do Executivo, que serão ampliados em 3%. Mas só vale para o Executivo. Para os outros poderes, incluindo Assembleia e Justiça, que são independentes, a correção será de 7,8% por força de uma liminar judicial. É bom isso aí? Não, não é bom. Mas pior, na minha opinião, é não ter dinheiro em caixa para honrar compromissos.
EC – Há desinteresse dos parlamentares em relação ao tema orçamentário?
Santos – É um assunto que, de fato, não agrada muito aos políticos. São matérias muito complexas e que não dão voto. Mas é ali que está a chave de tudo. O Orçamento é uma ferramenta que disponibiliza a teoria do que vai ser arrecadado pelo Estado e onde esse dinheiro vai ser gasto. A proposta recebeu 394 emendas de deputados, que foram aglutinadas em 44 propostas.
EC – O que foi aprovado, de substancial?
Santos – A única área que terá aumento nos recursos é a segurança pública, com reajuste de 18,6% nas verbas para custeio, considerando diárias de servidores, combustíveis e manutenção de viaturas. A ação só foi possível porque houve cortes em outras áreas. Para a saúde, serão destinados R$ 3,7 bilhões, o que alcança o investimento mínimo constitucional de 12% na área. O Estado vai comprometer 70,9% da receita corrente líquida com despesas de pessoal. Em termos gerais, entrarão nos cofres gaúchos o montante de R$ 59,76 bilhões contra despesas que somarão R$ 62,74 bilhões.
EC – Na sua avaliação, há possibilidade de aumentar as receitas do Estado sem prejudicar setores que sofrem com a perda de competitividade?
Santos – Claro que sim. A União, por exemplo, tem uma dívida bilionária com o Rio Grande do Sul por conta de recolhimento indevido ao INSS por estatais e autarquias. Os recursos estão retidos indevidamente pelo governo federal e poderiam motivar uma ação judicial mais enérgica. Essas verbas indenizatórias podem chegar a R$ 1 bilhão. Também é possível buscar ressarcimento sobre as perdas fiscais impostas pela Lei Kandir, o que depende de ação jurídica. E há ainda os créditos da CEEE com a União por conta de indenizações dos seus ativos operacionais, já reconhecidas por um ato normativo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Só nesse caso o ressarcimento seria da ordem de R$ 1 bilhão. São recursos que precisam ser repatriados. Isso sem falar no combate à sonegação. Dá para aumentar a receita estadual sem aumentar impostos.
EC – O senhor usou o termo "sonegação consentida" no seu relatório. Pode explicar melhor?
Santos – É que a Assembleia aprovou, recentemente, uma lei que alterou alguns desses benefícios fiscais, inclusive a modalidade de crédito presumido. Mas não alterou os contratos em andamento, o que me levou a concluir que estamos diante de uma sonegação consentida, tanto pelo governo quanto pela Assembleia. Eu propus um projeto em que as empresas que gozam de benefícios fiscais, ou isenções de qualquer natureza, terão essas condições suspensas se ingressarem com recursos administrativos ou judiciais contra o Estado. Muitas beneficiárias são devedoras e, inclusive, já se tornaram rés junto ao Tribunal Administrativo de Recursos Financeiros (Tarf). Mesmo assim, continuam usufruindo de isenções fiscais. Há inúmeros grupos econômicos e empresas que têm relações de dependência com o Estado, na maioria das vezes sem nenhuma lógica de necessidade.
EC – O pacote de arrocho do governador José Ivo Sartori (PMDB), enviado à Assembleia, inclui a solicitação de urgência na apreciação de um projeto de lei que estabelece redução de até 30% nos créditos fiscais presumidos até 2018, que representam cerca de um terço das desonerações geridas pelo Estado. Isso resolve, é suficiente, para equilibrar as finanças do Estado?
Santos – Não resolve. Nossa estimativa é de que os benefícios fiscais girem entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões, sendo que não há transparência alguma para verificar se, pelo menos, os contratos estão sendo cumpridos, se houve geração de empregos, se os investimentos sociais contratados com o Estado foram realizados. Não sabemos. Em junho, a Comissão de Finanças da Assembleia rejeitou uma proposta do deputado Luís Augusto Lara (PTB) que previa a realização de uma auditoria sobre os benefícios fiscais concedidos para 2017. Foi uma injustiça, uma desfaçatez. Como o Parlamento gaúcho nega acesso a essa caixa-preta que são as desonerações?
EC – Agora o mesmo deputado está propondo uma CPI sobre o tema.
Santos – Não vai sair. Não há interesse em investigar esse assunto.
EC – Qual sua posição sobre o pacote de medidas proposto pelo governador?
Santos – O pacote depende de aprovação pela Assembleia, então não precisamos sofrer por antecipação. Tem muita coisa que vai ser revista e modificada, muita coisa para ser discutida. Tem coisa, por exemplo, que flagrantemente envolve legislação federal, ou seja, não tem como mudar. Cito como exemplo o 13º salário. Mas todos temos que concordar com uma coisa: o Estado precisa chegar no seu tamanho adequado. Qual é esse tamanho? A sociedade é quem tem de dizer.
Justiça manda governo gaúcho abrir 'caixa-preta' dos incentivos
A Justiça concedeu no último dia 28 de novembro prazo de 20 dias para que a Secretaria da Fazenda forneça ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado a relação das empresas que recebem isenções fiscais no Rio Grande do Sul. A liminar foi concedida pela juíza Marilei Lacerda Menna, titular da 7ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central. A determinação atende pedido do MP.
A magistrada ressaltou que, entre as informações, devem constar o CNPJ, o valor da isenção e desde quando foi editado o benefício. Além disso, a listagem deve contemplar as dez maiores devedoras de tributos no segmento de empresas que vendem combustíveis e a relação das empresas do setor fumageiro que tenham obtido benefício fiscal.
A decisão determina também a entrega de todos os documentos e vistorias comprobatórios de que as sociedades empresariais cumpriram as contrapartidas previstas na legislação. O Estado ainda deve comprovar que se fizeram constar, nas Leis e Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias dos últimos cinco anos, os valores dos impactos financeiros de todos os benefícios concedidos pela administração.
Na ação movida pelo Ministério Público, o órgão sustenta que a Secretaria não repassou parte dos dados, nos últimos anos, sob a justificativa de manter as informações sob sigilo fiscal. A Fazenda sustenta que, entre as 340 mil companhias gaúchas, 80% são micro e pequenas empresas, isentas de impostos. A renúncia fiscal chegou a R$ 8,06 bilhões em 2015, segundo dados do governo.
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