Segurando uma lata de Coca Zero nas mãos, o deputado federal Kim Kataguiri, do União Brasil paulista, não se conteve diante da parede aberta para que qualquer um assinasse. O aviso no mural da sede da Meta, empresa dona do Facebook, WhatsApp e Instagram, dizia que o espaço era "para que todos se expressassem respeitosamente e não modificassem ou apagassem mensagens dos outros". Kataguiri escolheu deixar um "Fora Lula" para a posteridade. O feito, devidamente registrado nas redes do deputado, aconteceu numa missão oficial de parlamentares brasileiros ao Vale do Silício, a mítica região da Califórnia onde foram gestadas algumas das promessas não cumpridas do capitalismo tardio. Naquele 16 de novembro, Lula já estava eleito e a transição já havia começado. O Departamento de Comércio dos EUA achou que era um bom momento para levar uma comitiva de parlamentares brasileiros para uma maratona de visitas entusiasmadas às sedes de grandes empresas de tecnologia. Embutir na cabeça dos deputados membros da comissão o mindset disruptivo do Vale do Silício. Para cumprir a missão, a embaixada americana contou com a expertise da Frente Digital, aquele conglomerado parlamentar que já apelidamos carinhosamente de Bancada do Like por representar diretamente os interesses das empresas de tecnologia. Na verdade, quem organizou mesmo o rolê foi o Instituto Cidadania Digital, a associação que está por trás da bancada – e tem como financiadoras organizações que justamente representam interesses do iFood, Google, Meta e outras big techs. A Frente Digital, fundada em 2019, tem dezenas de deputados signatários, de várias matizes ideológicas. Mas sua diretoria é composta, sobretudo, por conservadores, da direita suave do PSDB a ultraliberais do Partido Novo. A turma que foi ao Vale do Silício tinha essa mesma inclinação. Além de Kim Kataguiri, participaram o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, do PP paranaense; Zé Vitor, do PL mineiro; Flávia Morais, do PDT por Goiás; o paulista Alex Manente, do Cidadania; o pastor Stefano Aguiar, do PSD mineiro; e Adriana Ventura, do Novo paulista. Só Kataguiri e Ventura fazem parte de mesas diretoras da Frente Digital. Apesar do convite ter partido da embaixada, as viagens foram pagas com dinheiro da própria Câmara – ou seja, público. Cada parlamentar gastou quase R$ 20 mil do seu dinheiro para passar o feriado da Proclamação da República na Califórnia. A regulamentação da Câmara para viagens oficiais prevê o pagamento de passagens e de diárias de 550 dólares – ou R$ 2,8 mil, na cotação da última quinta-feira – para destinos internacionais. Assim, Kataguiri foi viajar com R$ 11.320,60 mil de diárias, além dos R$ 7.982,80 gastos em passagens. Adriana Ventura gastou R$ 11.735,80 em diárias e R$ 8.541,19 em passagens. Nem todos prestaram contas: Flávia Morais postou sobre a missão em suas redes, mas até agora não publicou o relatório dos gastos no site da Câmara. CONTINUE LENDO → |