Débora Nonemacher
A informação é uma liberdade fundamental e um direito fundamental de todo ser humano. E é tão fundamental (com o perdão da repetição necessária), que é instrumento para as demais liberdades. É assim que ela é vista no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que, por sua vez, não é um mero documento protocolar - é compromisso, ou seja, todas as nações que integram a ONU se comprometem a fazer esta liberdade acontecer. Foi para esclarecer a importância disso na nossa realidade social que Pedrinho Guareschi veio conversar com profissionais, estudantes e comunidade em geral, na sexta-feira 20 de maio, na UCS. O especialista foi trazido pelo CEPDH com apoio dos Cursos de Jornalismo e de Sociologia. Ele é um dos maiores pesquisadores do efeito da mídia nas relações sociais (como sinaliza seu currículo, no final deste texto). Esta matéria traz uma síntese da palestra, acrescida de informações complementares, necessárias à contextualização do tema.
Guareschi trouxe reflexões decisivas a partir do desdobramento de cada termo do título da palestra: "Comunicação democrática: o acesso à informação como direito humano". E explicitou como o eixo que perpassa todos esses conceitos é o da 'relação'.
Foto: Ezequiel Milicich Seibel
"Humano"
Atualmente predominam três visões da realidade social (ou cosmovisões dentro das forças históricas contemporâneas): a individualista-liberal, a comunitário-solidária e a totalitário-massificadora. Cada uma delas tem conceitos de "ser humano" bem diferentes entre si. Na primeira, ser humano é apenas o indivíduo - ele e mais ninguém. Na segunda, ele é visto como uma pessoa em relação com outras. Assim, cada pessoa é resultado de suas relações com outras - não há como alguém existir ou se conceituar isoladamente. É a visão, entre outros, de (Santo) Agostinho e Marx: "o ser humano é resultado de suas relações", "um feixe de relações". Já conforme a terceira corrente, o ser humano é visto apenas como uma peça da máquina, do sistema.
"Direito"
Direito vem do Latim "Jus", que significa "justiça, justo". Ora, ninguém é justo sozinho. Justiça é ética - só pode se dar numa relação. Logo, para se pensar em Direitos Humanos, só se pensando em relações sociais.
"Comunicação"
O direito à comunicação, como deixa clara a Declaração Universal dos Direitos Humanos, abrange a liberdade de opinião e de expressão: inclui a liberdade de buscar, receber e difundir informação. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, novamente no artigo 19, reafirma e detalha este direito e vai além da Declaração: estabelece verdadeiras obrigações aos Estados signatários.
"Democracia"
"É importante detalhar o que é mesmo democracia, porque em nome dela se fazem absurdos, como os Estados Unidos, que recentemente invadiram determinado país e lá mataram um homem, sem avisar a nenhuma autoridade do tal país", advertiu Guareschi, citando também como vergonhoso o discurso de Barack Obama no dia anterior ao da palestra: "parecia um rei do Universo, dizendo o que cada país deve fazer. Ora, isso não é democracia – democracia não se impõe!". Ao contrário disso, como pontuou o palestrante, a democracia de verdade faz acontecer a igualdade (todos são iguais quanto à dignidade fundamental), a diversidade, a participação (todos têm direito a ter voz e vez) e a solidariedade.
Democracia para a cidadania
A democracia plena implica cidadania. Na experiência grega dos primórdios da democracia, "não era considerado cidadão o cara que apenas ia à praça assistir às reuniões, e sim, apenas os que se levantavam e falavam", esclarece Guareschi. Ou seja, cidadania é participação efetiva. E participação não só no planejamento e execução, mas também nos resultados. Para isso, o segredo é a participação no planejamento, porque é ali que se define a execução e os resultados, ou seja, quem vai fazer o que, e quem vai ficar com qual parte dos resultados. Quando todos efetivamente participam, sempre se encontra uma solução: "Nas tantas reuniões populares de que já participei, sempre que todos e todas falaram – mas todos e todas mesmo - , não houve nenhuma em que não se encontrou solução", testemunha Guareschi.
Foto: Ezequiel Milicich Seibel
Comunicação é serviço
Segundo o pesquisador, há tarefas urgentes da sociedade e dos profissionais em relação à comunicação:
• Resgatar a comunicação como serviço: comunicação não existe pra fazer dinheiro. É claro que ela tem de ser sustentável, precise de patrocinadores, mas eles não devem ser o eixo: comunicação é serviço público.
• Resgatar a comunicação como direito humano e cidadania: A mídia deve fazer a nova ágora (a praça grega onde os cidadãos dialogavam). Deve trazer os temas nacionais ao diálogo e dar espaço a que todos os envolvidos tenham a mesma oportunidade de se manifestar. Ela não tem de dar respostas, muito menos sua opinião. Sequer deve definir os temas a serem debatidos. O povo é quem tem de definir a pauta da mídia, e não o contrário, como acontece.
• Evoluir da democracia representativa para a democracia participativa: aqui, o duplo papel da comunicação: viabilizar a democracia representativa nos diversos temas da sociedade, e também ela própria se colocar em debate. Os Conselhos e Conferências (Municipais, Estaduais e Nacionais) de Comunicação são urgentes, ainda mais se há tanta força contrária.
• Potencializar as novas tecnologias como mídias de novos sujeitos de comunicação
"Precisamos de bons comunicadores. E um bom comunicador não precisa de muita tecnologia. Precisa sim é de cuca, compromisso, tesão, solidariedade, empatia... para pensar naqueles que estão tendo seus direitos violados."
Pedrinho Guareschi | | 97% da população brasileira não sabe que a mídia eletrônica (tv e rádio) não tem dono- é concessão pública! E por quê? Porque a mídia não discute a própria mídia!
6 minutos – é a duração média de uma notícia na BBC de Londres. E não pode terminar fechada, muito menos com a opinião do jornalista
84% de tudo que ogaúcho vê, lê, escuta depende de uma só família
grandes empresas ilegais: contrariando a própria Constituição, há grandes e centenas de empresas de rádio e tv cujos sócios ou dirigentes são políticos ou parentes de políticos |
A difícil batalha pela regulamentação
A comunicação no Brasil é regida por apenas 5 artigos na Constituição (220 a 224), que até hoje não foram regulamentados. As tentativas disso têm sido sistematicamente sufocadas no Legislativo e na própria mídia. E por quê? Porque há grandes e centenas de empresas de rádio e tv cujos sócios ou dirigentes são políticos ou parentes de políticos - ilegalmente, porque isso nem é permitido pela Constituição. São centenas de políticos e centenas de emissoras (saiba mais em http://donosdamidia.com.br/inicial). A discussão sequer é trazida à opinião pública pela mídia. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação foi realizada apenas em 2010, a muito custo. Nenhuma das grandes empresas participou, e as poucas que deram repercussão ao evento, o desmoralizaram.
Outro dos tantos itens pendentes dessa pauta, que afeta diretamente a valorização cultural do País e o mercado de trabalho do profissional: por que as emissoras de rádio e tv são dominadas por valores culturais internacionais e produções internacionais, em detrimento das nacionais e, mais ainda, das produções regionais e locais? Por que não cumprem a lei. O artigo 221 determina que as emissoras (rádio e tv) priorizem finalidades "educativas, artísticas, culturais e informativas", e que priorizem e incentivem a "produção cultural, artística e jornalística" da sua região, "conforme percentuais estabelecidos em lei". Estes percentuais ainda não foram estabelecidos – apesar de já haver projeto de lei para isso desde 1991 (PL 256, de 1991, da deputada Jandira Feghali).
"Jornalismo é subversão. Se não for, não é decisivo como jornalismo"
Após sua fala, o palestrante exibiu o documentário "Guerrilha midiática", produzido por Wladymir Ungaretti e oColetivo Catarse - assista você também, aqui. O documentário mostra respiros por onde tenta acontecer a comunicação democrática, e a repressão que ela sofre, inclusive aqui no RS, por exemplo.
O vídeo relata o fenômeno recente (anos 2000) no norte do país – o Tecnobrega, que, "mais do que um estilo musical, é um mercado que criou novas formas de produção e distribuição", através da apropriação dos recursos tecnológicos pela periferia, como descreve um dos autores do livro homônimo.
E denuncia a censura articulada pela RBS ao saite Ponto de Vista, cujo editor paga R$ 150 de multa diária se criticar a Rede. "Não é RBS, é PRBS – Partido da RBS", deflagra o jornalista, cuja ação nada criminosa, mas censurada, é explicitar a subjetividade e a manipulação da notícia. O mau exemplo da RBS foi exemplificado também na plenária realizada logo após a exibição do vídeo: "Envio carta ao Jornal Pioneiro e ele não publica. O que fazer?", pergunta um cidadão. Uma das saídas para isso, como sugeriu o Coordenador do Curso de Jornalismo, é aproveitar e potencializar as tecnologias atuais: "Um celular traz hoje recursos pra você produzir e veicular uma notícia quase que instantaneamente". No entanto, esse acesso aos recursos tecnológicos em si não é a solução, como sublinha Ungaretti, no documentário: "Só haverá significativo avanço se isso estiver conectado aos movimentos sociais. Sem movimento social não criaremos mídia alternativa ou seja lá que nome a gente queira dar."
"Os novos revolucionários são imaginadores – eles produzem e manipulam imagens. (...) São fotógrafos, filmadores, gente de vídeo, gente de software, técnicos, programadores, críticos, teóricos e outros que colaboram com os produtores de imagens. Toda esta gente procura injetar valores, politizar as imagens."
Vilém Flusser, citado no documentário Guerrilha Midiática
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"A câmera na mão de quem corre e apanhaé a arma de defesa. Seu grito ecoa pela rede horas após a repressão.
É a contrainformaçãodo que a mídia corporativa vai mentirsobre o que está acontecendo."
Wladymir Ungaretti, no documentárioGuerrilha Midiática
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"Jornalismo é subversão. Se não for subversão, não é decisivo como jornalismo. Jornalismo é a capacidade de distinguir diferenças onde aparentemente só há semelhanças, e semelhanças onde aparentemente só há diferenças. E isso é uma prática subversiva, sempre."
Wladymir Ungaretti, no documentário Guerrilha Midiática
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O Movimento pela Democratização da Comunicação
é hoje um trabalho de diversos coletivos pela efetivação da comunicação como direito humano (e portanto, de todos/as) e como instrumento de democratização da sociedade. "Uma sociedade só pode ser chamada de democrática quando as diversas vozes, opiniões e culturas que a compõem têm espaço para se manifestar" (Intervozes). | A batalha é complexa, mas os principais eixos são: • Criar um marco regulatório: regulamentação legal e política do setor da comunicação, com participação de todos os setores da sociedade • Capacitar os cidadãos para a apreensão crítica dos meios de comunicação (compreensão da linguagem e dos artifícios empregados) • Criar instrumentos de controle social/público sobre os meios de comunicação de massa (processo não censório) • Estimular a produção e difusão nacional e regional, e de conteúdos plurais e diversos • Fortalecer a comunicação popular, comunitária, independente, alternativa e livre |
Saiba mais:
"Os jornalistas têm uma importância crucial na sociedade. Da comunicação, hoje, depende a democracia. Mas se o jornalista apenas pensar: 'vou ser um bom empregado', ele nunca vai fazer o seu papel."
Alguns livros do Guareschi:
- Mídia e democracia
- Comunicação e controle social
- Comunicação e poder: a presença e o papel dos meios de comunicação de massa estrangeiros na América Latina
- Mídia, educação e cidadania
- Sociologia crítica: alternativas de mudança
- Sociologia da prática social
- Psicologia social crítica como prática de libertação
- A máquina capitalista
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Livro do advogado Ronaldo Lemos e da jornalista Oona Castro. Fruto do projeto Modelos de Negócios Abertos – América Latina, coordenado pela Fundação Getúlio Vargas (Centro de Tecnologia e Sociedade) em parceria com o Instituto Overmundo, traz respostas à crise da indústria cultural que respeitam a diversidade e as culturas locais. Coleção Tramas Urbanas, Aeroplano Editora. Patrocinado pela Petrobrás. http://www.cepdh.blogspot.com/, e sobre o Movimento Nacional em http://www.mndh.org.br/.Download livre aqui.
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O palestrante: Pedrinho Guareschi é Graduado em Filosofia, Teologia e Letras, Pós-Graduado em Sociologia, Mestre e Doutor em Psicologia Social. Pós-Doutor em Ciências Sociais em duas universidades (Wisconsin e Cambridge). Professor convidado da UFRGS e da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre) e conferencista internacional. Seus estudos, pesquisas e experiência centram-se na Psicologia Social, com ênfase em mídia, ideologia, representações sociais, ética, comunicação e educação.
A palestra foi promovida pelo CEPDH. Integraram a mesa o Pe. Gilnei Fronza e o Pe. Roque Grazziotin (este, também presidente da FUCS), o professor Winkler, do Curso de Licenciatura em Sociologia, e o professor Álvaro, Coordenador do Curso de Jornalismo, parceiros promotores do evento, além da deputada Marisa Formolo.
O ciclo. A palestra é a segunda de uma série que está sendo promovida pelo Centro ao longo de 2011, abordando vários temas referentes ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). A primeira foi "Direitos Ambientais como Direitos Humanos: o agronegócio e suas consequências para os alimentos e o meio-ambiente", em maio.
O CEPDH tem abrangência regional, é sediado em Caxias do Sul e tem 27 anos. É filiado ao filiado ao MNDH – Movimento Nacional dos Direitos Humanos. O MNDH fundamenta sua ação na Luta pela vida, contra a violência. O CEPDH foi criado a partir da análise do Mundo do Trabalho e suas conseqüências para a realidade regional, para dar suporte à defesa e formação dos trabalhadores, principalmente nas áreas do Direito, Saúde e Assistência Social. Mais sobre o Centro em http://www.cepdh.blogspot.com/ e sobre o Movimento Nacional em http://www.mndh.org.br/.