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1.4.17

Era uma vez uma democracia

1/4/1964: Era uma vez uma democracia


EMIR SADER

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

O Brasil vinha construindo uma democracia, pela primeira vez na sua história. Haviam-se dado quatro eleições gerais, quatro presidentes tinham sido eleitos pelo voto direto do povo. Três vezes tinha triunfado a esquerda – Dutra, Getulio, JK – uma vez a direita – Jânio Quadros –, cuja renúncia reconduziu a esquerda à presidência, com João Goulart.

A direita estava articulando um golpe desde o final dos anos 1940. De retorno da guerra na Itália, quando estabeleceram contatos estreitos com a oficialidade dos EUA, Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco fundaram a Escola Superior de Guerra, que passou a colocar em prática a doutrina de segurança nacional, ideologinorteamericana durante todo a guerra fria.

Tratava-se de concentrar a luta contra a "subversão comunista", para desqualificar a todos os avanços democráticos e sociais, reduzindo-os a efeitos da influência de potências estrangeiras – URSS, China, Cuba –, tentando se apropriar do poder no Brasil. Atuaram ao longo dos governos de Getulio e de JK, depois de Jango, para preparar o clima de desestabilização favorável ao golpe militar. Contaram com a mídia, com a Igreja Católica, com as entidades empresariais e com o apoio aberto do governo norte-americano.

Seus temas centrais eram, além da subversão, a corrupção dos políticos e a estagnação econômica, pela excessiva intervenção do Estado. Conseguiram criar um clima favorável ao golpe, paradoxalmente com a pregação da salvação da democracia, que estaria em perigo por planos internos e externos de subversão. Ganharam a grande maioria da alta oficialidade das FFAA, a amplos setores das classes médias e do grande empresariado, e impuseram a ditadura mais cruel que o país conheceu, supostamente para salvar a democracia.

Pela primeira vez foi destruída a nascente democracia, de apenas 19 anos, mas que trazia para o país grandes avanços sociais, ampliação dos processos de sindicalização, incluída a sindicalização rural, fortalecimento dos movimentos populares, construção de ideologias nacionais e populares, desenvolvimento de uma política externa independente, fortalecimento do Estado brasileiro e das empresas públicas – entre elas, particularmente da Petrobras.

O Brasil vivia o maior auge cultural da sua história, com o cine novo, a bossa nova, o novo teatro, as artes plásticas, a literatura, estreitamente associado à expansão da democracia no país.

Como todo golpe contra a democracia, rapidamente o regime militar mostrou sua face repressiva em relação a tudo o que representasse alguma expressão democrática na sociedade brasileira – Parlamento, Judiciário, universidades e escolas em geral, sindicatos, movimentos culturais, associações populares, personalidades políticas e do mundo cultural. Com o golpe se destruía a democracia e tudo o que estava associado a ela – direitos sociais e políticos, organizações populares, soberania popular e inserção soberana do Brasil no mundo.

O Brasil pagou um preço muito alto por aquela ruptura da democracia. O país se tornou o mais desigual do continente mais desigual do mundo. Os direitos das pessoas foram pisoteados. Instalou-se uma mídia estreitamente associada à ditadura militar. Deteriorou-se o poder aquisitivo dos salários, com a politica de arrocho salarial e a intervenção em todos os sindicatos, degradaram-se os serviços públicos de educação e de saúde.

Como confirmação da afirmação de Dilma Rousseff de que a democracia é o lado correto da história, o golpe e a ditadura que nasceu dela representou o lado errado, do qual retomamos com grande esforço a recuperação do fim de 21 anos de luta de resistência. Da mesma forma que recentemente, a aliança do grande empresariado, da mídia conservadora, de políticos dispostos a defender seus próprios interesses, se rompia o caminho democrático em nome de falsos objetivos. A defesa da democracia desembocou na mais feroz ditadura, a luta contra a corrupção fomentou a corrupção protegida pela ditadura e pela censura, a luta contra a subversão revelou-se ser um pretexto para terminar com a democracia.

A história não se repete da mesma forma, contanto que saibamos refletir sobre ela e tirar experiências para o presente e o futuro. O novo golpe teve formas diferentes, mas no essencial é um golpe anti-popular, anti-democrático e anti-nacional, contra os movimentos sociais e contra o povo brasileiro. Que saibamos agora tirar as lições do golpe e também das formas de resistência e de reconstrução democrática, para poder derrotar uma vez mais o golpe e a ditadura no Brasil.

http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/288136/141964-Era-uma-vez-uma-democracia.htm

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Dilma Rousseff Responde a Agripino Maia

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STF AINDA TEM UMA SAÍDA HONROSA: ANULAR O GOLPE

247 – Em 17 de abril do ano passado, o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conduziu a sessão da Câmara dos Deputados que ficará registrada nos livros de História como o "Dia da Infâmia".

Naquele dia, centenas deputados investigados por corrupção acolheram um processo de impeachment sem crime de responsabilidade – ou seja, um golpe parlamentar – contra uma presidente honesta. Uma situação tão surreal que foi definida pelo escritor português Miguel Sousa Tavares como "uma assembleia de bandidos, presidida por um bandido" (relembre aqui).

Assim, abriu-se o caminho para que 54 milhões de votos fossem rasgados, ferindo de morte a democracia brasileira.

Menos de vinte dias depois, em 5 de maio de 2016, o então ministro Teori Zavascki decidiu afastar Cunha do mandato e da presidência da Câmara, em razão das acusações de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro pelas quais ele agora foi condenado.

No entanto, o pedido de afastamento de Cunha já havia sido formulado pelo procurador-geral Rodrigo Janot, muitos meses antes, deixando no ar uma dúvida inquietante: por que o STF só agiu depois que a democracia brasileira foi ferida?

Ao que tudo indica, por receio de que os ministros fossem acusados de estar interferindo em outro poder.

Agora, no entanto, o quadro é o outro.

Praticamente um ano após o golpe, o Brasil se converteu na vergonha do mundo. Tem um governo que não é respeitado nem pelos vizinhos mais próximos e uma economia em queda livre – a despeito das promessas de "volta da confiança". Hoje, por exemplo, o IBGE divulgou que as vendas do comércio recuaram 7% em janeiro (leia aqui).

O golpe, no entanto, não é um fracasso apenas econômico. Do ponto de vista moral, é uma agressão aos brasileiros. Nada menos que nove ministros de Michel Temer, além dele próprio, estão implicados em acusações de corrupção e caixa dois eleitoral.

Além disso, uma pesquisa Ipsos divulgada nesta quinta-feira aponta que, para 90% dos brasileiros, o Brasil segue no rumo errado com Michel Temer (leia aqui).

Diante desse quadro, resta ainda uma saída honrosa para os 11 ministros do STF: anular o golpe, por desvio de finalidade, e devolver o poder a Dilma Rousseff para que ela convoque novas eleições, como é o desejo da população brasileira.

É um cenário provável?

Não.

Mas é o único que devolveria um mínimo de dignidade ao Brasil.

http://www.brasil247.com/pt/247/brasilia247/287875/STF-ainda-tem-uma-sa%C3%ADda-honrosa-anular-o-golpe.htm







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