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4.4.08

Milhares vão às ruas por Cristina e contra pecuaristas 'golpistas'

2/4/2008 A presidente Cristina Kirchner radicalizou ontem os ataques ao setor agropecuário argentino e chamou suas lideranças de “golpistas”. Em um discurso realizado perante 100 mil pessoas na Praça de Mayo, em frente à Casa Rosada, Cristina afirmou que os produtores agrícolas haviam apoiado o golpe militar de 1976 e atualmente estavam conspirando contra um governo democrático “não com os tanque de guerra, mas sim pelos meios de comunicação”. Com dedo em riste, Cristina responsabilizou os produtores - que completam hoje 21 dias de um locaute sem precedentes, com piquetes nas estradas - pelo desabastecimento de alimentos em todo o país. A reportagem é de Ariel Palacios e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 02-04-2008. “Não prejudiquem mais o povo... liberem as estradas! Não podem se orgulhar de desabastecer o povo”, discursou Cristina. “Nunca vi tantos ataques, em tão pouco tempo, a um governo eleito pelo povo”, disse a presidente, que tomou posse há 113 dias. Diante dela, a Praça de Mayo estava repleta de sindicalistas, piqueteiros (desempregados que recebem subsídios estatais) e militantes do Partido Justicialista. Foi o quarto discurso de Cristina contra o setor agrícola em oito dias. Segundo analistas, a manifestação é uma resposta aos panelaços realizados na semana passada pela classe média portenha contra a presidente. O analista Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nueva Mayoría, disse que “a Praça de Mayo cheia de manifestantes que pedem mais dureza não é um bom sinal para o diálogo com os produtores”. Segundo Fraga, “em vez de baixar, a tensão política vai aumentar”. “O governo está agravando a polarização da sociedade.” Nos dias anteriores, Cristina havia afirmado que os agropecuaristas “vivem na abundância”. Além disso, havia menosprezado os produtores de soja e referiu-se à valiosa commodity como “plantinha” e “matinho”. Acompanhada no palanque de 100 metros de largura por todos os seus ministros, governadores, dezenas de prefeitos e lideranças sindicais, sociais e de organismos de defesa dos Direitos Humanos, com uma imensa bandeira argentina como pano de fundo, a presidente realizou uma demonstração de “musculatura política” ao exibir ao país o respaldo de grande parte das principais forças da Argentina. Cristina estava protegida de eventuais ataques por uma segurança de 120 homens. Visivelmente nervosa, após o discurso Cristina chorou. Seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, declarou à imprensa que “a democracia não se discute com atos de extorsão”. O pivô da crise de Cristina com os produtores são os aumentos recentemente decretados nas retenções (impostos) sobre as exportações agrícolas. No caso da soja, o aumento elevou o tributo dos 35% aplicados desde novembro para os atuais 44,1% (em janeiro de 2007 não passavam de 25%). Para encerrar a greve e os piquetes nas estradas - que impedem o trânsito de caminhões que transportam produtos agrícolas -, os produtores exigem o fim dos aumentos. Mas a presidente Cristina recusa-se a recuar na elevação dos impostos. Segundo os analistas, o governo não pode ceder, já que isso seria interpretado como sinal de “fraqueza” no complexo cenário político argentino. Ao longo do dia, houve tensão entre agricultores e as forças de segurança em vários dos 300 piquetes espalhados pelo país. O governo enviou a gendarmeria (força especializada na dissolução de manifestações) a várias províncias, para ficar à beira das estradas e garantir a passagem dos caminhões. Poucas horas depois do discurso de Cristina, as lideranças agropecuárias avaliavam a suspensão da greve por 30 ou 60 dias. Nesse intervalo, tentariam convencer a presidente a voltar atrás na decisão de aumentar os impostos. “Queremos uma trégua”, anunciaram no fim da noite as lideranças da Carbap (que representa 35 mil pecuaristas), o núcleo duro da Confederações Rurais Argentinas, uma das quatro entidades que lideram o locaute. A Carbap propõe uma trégua de 30 dias. As outras três entidades, a Sociedade Rural, a Federação Agrária e a Coninagro, decidem hoje se mantêm o protesto. Para intensificar as pressões sobre os produtores agrícolas, o governo suspendeu ontem as exportações de carne. O objetivo da medida é redirecionar as exportações ao mercado interno, para forçar a queda dos preços. O decreto pegou de surpresa navios no porto de Buenos Aires, que se preparavam para embarcar mais de 1.000 toneladas de carne.

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